domingo, 29 de julho de 2007

Ciência & gastronomia: os cientistas são cozinheiros. Os Chefs também precisam saber ciência?

A arte de cozinhar exige vários conhecimentos científicos que na maior parte das vezes é intuitivo. Vários livros sobre o assunto já foram publicados como: “O que Einstein disse ao seu cozinheiro” (Robert L. Wolke, Jorge Zahar). Lá é possível descobrir que o chocolate derrete nos seus dedos porque a temperatura de fusão do chocolate é de 36,5oC e como a nossa temperatura corpórea é 37oC quando seguramos o chocolate ele rapidamente começa a se fundir... Várias outras questões dos por quês até as dicas de "como fazer" seguido das justificativas químicas, físicas ou biológicas podem ser encontradas nesse livro.

Entretanto, não é esse o meu objetivo aqui. Na verdade, uma questão interessante em gastronomia é que normalmente se associa a atividade dos chefs a grande capacidade criativa, mas dificilmente se valoriza o rigor científico que eles estão sujeitos para conseguir atingir aqueles objetivos iniciais. Uma receita nada mais é do que um procedimento detalhado para se realizar um prato. Claro que existe uma diferença entre grandes Chefs e cozinheiros honestos. Talvez a arte se esconda exatamente aí! Por que a qualquer receita pode estar escrita em um livro.

O que estou querendo dizer é que artistas, como os Chefs de cozinha, também são cientistas . Por outro lado, os cientistas também são cozinheiros porque para fazer experiências científicas eles normalmente seguem receitas. A grande diferença é que não se pode comer o resultado das experiências no final.

A analogia é importante. Vejam o referencial do Chef se pudermos compará-lo ao cientista. Começamos com as boas ferramentas: os apetrechos podem até ser de grande simplicidade como as panelas de barro e colheres de pau. Entretanto, Chefs que se prezam tem também a disposição centrífugas, processadores e outros equipamentos da mais alta tecnologia. E os ingredientes? É fato que os melhores Chefs tem sempre a mão uma miríade de produtos extraordinários, fonte inesgotável de prazer para cozinhar e deixar-se seduzir pelo resultado final do preparado. As receitas são verdadeiros protocolos que especificam cada etapa do procedimento: dos ingredientes requeridos à ordem com eles são misturados. Chefs ainda usam um “jaleco” branco. Altamente científico!
Então por que que quando seguimos as receitas do Miguel o magnífico, Oliver, ou do "Doutor" José Hugo Celidônio (eles certamente deveriam ter o título de doutorado em gastronomia se chegarmos a conclusão de que culinária é uma ciência) muitas vezes percebemos que o resultado é apenas razoável? Talvez o ponto seja esse, que, curiosamente, também existe nos cientistas... a mão, ou seja, a habilidade de conseguir traduzir todos aquelas regras passo-a-passo em um perfeito e suculento Steak a poivre... Simples assim.


Poxa, mas está ficando complicado. O esteriótipo dos cientistas é normalmente o de profissionais objetivos, altamente qualificados e a prova de erros. Bobagem... Bons cientistas precisam daquele “algo a mais” para transformar uma boa “receita” em um experimento de bons resultados... Da mesma forma que os Chefs!
Será que essa habilidade, a “mão-de-Chef”, é o que chamamos de criatividade? Acho que não. Segundo Domenico de Masi, a criatividade é “a combinação de fantasia e realização”. A capacidade de romper com os conceitos estabelecidos, fundindo, inovando, multiplicando o saber.

Em culinária moderna um exemplo atual de criatividade éa a gastronomia molecular do Chef espanhol Ferran Adrià do “El Bulli”. Adrià ganhou termo no Wikipedia. E é conhecido por experimentos que rompem os conceitos convencionais de texturas e sabores que são elaborados em seu laboratório/oficina chamado de “El Taller”. Segundo a Time magazine Adria é um das personalidades mais influentes do século 21. Contudo, a gastronomia molecular é uma forma mais rigorosa de cozinhar, onde os testes sobre a maneira de selar um bife, por exemplo, são avaliadas cuidadosamente com comparações entre grupos de bifes fritos a temperaturas diferentes (Veja mais no sítio de gastronomia molecular e a ciência da culinária aqui .

De qualquer forma, não é a idéia do rigor científico que torna Adriá criativo, mas a capacidade de fazer um bife com textura de gelatina que rompe o conceito de bife e também da gelatina!! Chefs e cientistas normalmente usam algum rigor e suas mãos hábeis para produzir grandes experimentos, mas esse processo embora bem registrado é sempre muito intuitivo e a capacidade de observar, abstrair e fazer analogias (ver mais em Centelhas de Gênios Robert e Michelle Root-Bernstein, Nobel editora, 2001) que modifica uma teoria, uma forma de pensar, uma maneira de riscar traços em uma tela ou fazer um bife. Isso é a criatividade comum a cientistas, artistas, Chefs, músicos, etc. E não é só isso! Toda a rotina de execução também é comum... É talvez seja isso! Não há diferenças entre arte e ciência. Não há diferenças entre cientistas e Chefs. A não ser que consideremos que a diferença no final se baseie no uso do chapéu...

9 comentários:

Mauro Rebelo disse...

Eu venho dizendo, "somos todos cientistas", do cozinheiro ao ribeirinho. Seu texto ilustra belamente esse conceito que é importantíssimo para que as pessoas passem a ter menos medo da ciência e dos cientistas. Um abraço

Milton Ozório Moraes disse...

é verdade!! Precisamos apenas favorecer esse encontro. Não há diferenças entre os mundos. Apenas um fosso profundo pedindo uma ponte para conectá-los.

Unknown disse...

Concordo plenamente com você, Milton! Segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, ARTE é a "capacidade humana de criação e sua utilização com vistas a certo resultado, obtido por diferentes meios". Já CIÊNCIA é o "conjunto metódico de conhecimentos obtidos mediante a observação e a experiência". Todo artista é cientista e vice-versa! Utilizamos o saber e a habilidade adquiridos mediante a observação e experiência (aí entram a "mão" e a criatividade) para criar e obter resultados, por diferentes meios.

Unknown disse...

Parafraeando Pablo Neruda:
"Tudo são metáforas"...
Elas são feitas constantemente e refletem apenas um olhar mais acurado a sua volta. Segundo Hermann Hesse, em o Jogo das contas de vidro, o magister ludis é aquele que consegue comparar a matemática com a música, mostrando a física e revelando padrões na psicologia e suas teorias modernas;
Com Sidarta, um outro personagem do mesmo autor, ele ressalta também que só quele que se permite fluidez consegue enxergar as mais diversas metáforas, porque as experimentou em vida, neste livro, buda foi aquele que se deu a oportunidade de ser tudo, de tudo um pouco, tanto casto quanto errante, só chega-se ao nirvana aquele que também conheceu o inferno, só conseguimos enxergar aquilo que concebemos. Então experimentemos, provemos, façamos ciência com o sabor mais fino e apetitoso e publiquemos sabor!!!!
Assim nos faremos melhor lembrados.
Beijos

Priscila Guedes disse...

Há tempos já venho refletindo sobre a questão da analogia entre cozinha e laboratório. As receitas são protocolos e protocolos são receitas que dependem do dia, da mão e da criatividade de quem faz. Criatividade depende de prévia reflexão... Interessante é provar algo e localizar seus ingredientes sem saber a receita... fantasiar um sabor e eles serem postos em prática.

Unknown disse...

Considerando que ciência deriva da palavra latina scientia, que significa conhecimento, tanto a culinária, a música, e o trabalho de biológos podem ser considerados ciência, já que estes necessitam e produzem conhecimento. Considero a diferença dessas ciências em como normalmente elas se embassam, ou em dados empiricos (culinária) utilizando muita a criatividade e a experimentação; ou com metodologia científica mais tradicional (biologia) utilizando mais a lógica e teorias, embora toda a ciência se utiliza, mesmo sem saber, das duas situações. É obvio que o diferencial de qualquer pesquisa ainda é o pesquisador, a sua "bagagem" e a sua inteligência (seja ela de qual tipo for) é o que separa o "cozinheiro honesto" do chef, e o técnico do cientista. Normalmente quem se destaca é quem sabe o que está fazendo, é quem tem o conhecimento sobre sua profissão, e por definição, faz ciência.

Pablo e Monica

Unknown disse...

Muito bom refletir sobre este assunto. Cientista é cozinheiros: Somos iguais de criativos? Eu ADORO "fazer" ciência. E seria desleal a minha pequena cozinha se falasse o contrario, ADORO cozinhar. É fácil pegar a receita/protocolo da literatura, e repetir repetir repetir SEM olhar quais os componentes, porque aquele e não outro. Sem comparar o propósito por que foi utilizado um ou outro. Se este protocolo/receita responde teus objetivos. Que poderíamos adaptar ou mudar. O que não pode ser mudado de jeito nenhum, e muitas mais... A diferença entre o técnico da ciência/cozinha e o chef/cientista, é a observação, o refletir sob o assunto, abstrair, fantasiar, ter o intuito e o atrevimento de mudar e claro, ser também rigoroso, saber escutar, estudar, ter ordem, ser cuidadoso e ter confiança. E uma que não pode faltar, disfrutar...

FOTOS disse...

Milton, discordo de voce num aspecto.. nem todo cientista nao pode provar a sua experiencia.. o povo das engenharias de alimentos e nutrição que o diga!! Já participei de analise sensorial de cachaça ( é verdade kkk), analise sensorial de maionese de soja, e deixei de participar de um projeto de nutrição de alimentos a base de soja porque tinha q ficar sem a cerveja do fim de semana... era almoço janta e café da manha de graça, mas tudo a base de soja!!
No final todo mundo se dá bem rsss
Como bioquimico, me interesso mais pela bioquimica/biotecnologia dos alimentos e achei interessante como se pode produzir queijos, vinhos e iogurtes diferentes, com "flavors" diferentes através de pequenissimas modificações de temperatura,pressão, microrganismos, pH´s, formas de se levar o processo adiante.. nada de diferente em relação a produção de proteinas heterologas!!
O q muita gente nao enxerga é que a produção de ingredientes tanto para pesquisa quanto para a cozinha pode ter tanta arte e tecnologia quanto a manipulação desses ingredientes pelo chef/cientista
abraços

Vitor Laerte disse...

A comparação do cientista com um cozinheiro é válida e real, mas existe ciência em todas as áreas da atividade humana, e muitas vezes não é necessário se utilizar qualquer tipo de indumentária (ex. jaleco) para se fazer ciência. O que faria o jardineiro se não soubesse geologia, metereologia e quem sabe um pouco de química para cultivar suas plantas? Veja que a critividade é o elemento transformador, que faz a humanidade obter resultados novos e mais impressionantes a cada geração.
O que diferencia a ciência oficial das outras atividades é o marketing (forma de divulgação, rituais - incluindo instrumental, importância para a coletividade etc.), daí a pseudo-cientificidade do jaleco. A culinária vem apreendendo estes conceitos.
Outra questão que gostaria de levantar é a renovação das pessoas, ie o novo substituindo o velho, será que somente a criatividade, o rigor técnico etc. são suficientes para a evolução do conhecimento? Será que se não houvesse renovação estaríamos no patamar de conhecimento atual? Bom isso é assunto para outra postagem.