domingo, 14 de março de 2010

A culinária asiática e a vitamina D: fatores culturais, ambientais e genéticos e a ocorrência de doenças infecciosas.






Um estudo no final da década de 90 trouxe um debate interessante sobre a incidência de doenças infecciosas. Atualmente, retomamos a discussão que tem novos estudos corroborando a hipótese original. Um estudo em questão foi publicado originalmente por Robert Wilkinson no periódico Lancet em 2000 e mostrou que asiáticos de uma etnia vegetariana chamada Gujarati que migraram da Índia e estavam radicados na Inglaterra tinham mais tuberculose que os seus conterrâneos que ainda viviam em sua terra natal. A observação por si só era muito curiosa já que este grupo que vivia em Harrow ao sul de Londres era próspero financeiramente. Portanto, a pobreza por si só não explicaria o fenômeno. A cultura deste povo é muito antiga e com tradições especiais como os casamentos arranjados entre pessoas do mesmo nível social e consequentemente étnico. Ainda a incidência de tuberculose em outras etnias que vivem na mesma área geográfica sempre foi muito mais baixa. Portanto, o grupo de pesquisadores se deparou com uma população homogênea geneticamente, com hábitos vegetarianos e alta incidência da tuberculose.
A investigação demonstrou que os pacientes com tuberculose tinham a carência de vitamina D devido a dieta vegetariana. Mas, porque essa diferença não é observada nos Gujarati que vivem na Índia? Na verdade a deficiência era marcante porque além da ausência de vitamina D da dieta, na área que vivem os Gujarati na Grã-Bretanha tem muita neblina e pouco sol. Assim, a ausência de exposição a luz solar explicam a inabilidade do organismo de converter a pró-Vitamina D em Vitamina D e com isso montar uma resposta imune que restringe o crescimento de patógenos como o bacilo que causa a tuberculose. Isso significa dizer que vitamina D protege contra doenças infecciosas. De fato, a combinação de dieta vegetariana e falta de exposição ao sol para esses grupos significa maior risco de desenvolver tuberculose. Na Índia o risco é menor porque lá mesmo abrindo mão de comer carnes pode-se garantir níveis razoáveis de vitamina D devido a exposição solar adequada. O estudo ainda demonstrou que alguns indivíduos que apresentam uma versão genética incomum do receptor de vitamina D (sigla do Inglês, VDR) tinham uma chance ainda maior de desenvolver tuberculose.
Esse estudo nos mostra claramente que a ocorrência de doenças é um fenômeno complexo. Não basta ter uma alimentação saudável baseado no senso comum. Por exemplo, assume-se que a dieta vegetariana é mais saudável por razões como a facilidade da digestão, a ingestão de produtos mais frescos e "naturais" e ausência da ingestão de hormônios, toxinas e outros conservantes presentes em carnes vermelhas ou brancas. Entretanto, embora esses argumentos sejam válidos, eles são parciais porque impedem o entendimento que carnes possuem riqueza de vitaminas, elementos essenciais e outros nutrientes difíceis de serem encontrados em verduras, legumes, grãos e cereais quando ingeridos sem supervisão de um nutricionista. Não faço aqui a simplificada apologia a dietas ricas em carnes. Não é tão simples assim porque o outro lado sugere que uma dieta rica em carnes vermelhas pode favorecer o desenvolvimento de doenças cardiovasculares.
Então, o processo é complexo e há muitas características que devem ser levadas em consideração. As populações humanas foram se adaptando aos ambientes em que vivem nos últimos 20.000 anos aproximadamente quando começaram as grandes correntes migratórias chamadas para "fora-da-África", onde os humanos foram lentamente se espalhando pelos 5 continentes. Obviamente, os agrupamentos populacionais desde esse tempo foram submetidos a grandes pressões seletivas associadas a disponibilidade de alimento, fuga de predadores e doenças infecciosas. Portanto, as estratégias evolutivas envolvem tanto a seleção natural genética que favorecia os indivíduos que carregavam genes que conferiam vantagens como a resistência a infecções por exemplo, quanto uma seleção cultural baseada na transferência de informações através das gerações como as habilidades desenvolvidas na escolha e no preparo de alimentos por diferentes tribos e povoados. Por exemplo, a pimenta tão comum na culinária entre alguns povos Asiáticos também tem propriedades vantajosas e desvantajosas para a saúde que é dependente da região do planeta em que você vive (mais vou tratar desse assunto mais detalhadamente em outro "post"). Da mesma forma a dieta que privilegia ingestão de alimentos crus deve ter a prerrogativa de comer sempre alimentos frescos e livres de parasitas e bactérias. Portanto, se você quiser comer uma tartar de atum certifique-se da procedência e das condições de armazenamento. Ah, é corte bem fininho e coloque um fio de azeite, shoyu e salpique sal e coentro e ou cebolinha e tá pronto!


VOltando aos Gujarati, podemos imaginar que a mudança para a Inglaterra podia até garantir aos migrantes a vida em um ambiente mais estável economicamente. Entretanto, é curioso que a transferência para um ambiente sem muita luz solar que eles não estavam adaptados também os tornou mais suscetíveis a tuberculose. As escolhas sobre as dietas não devem ser simples. É necessário que elas sejam entendidas e discutidas a luz da evolução e adaptação da nossa espécie. E o que faz bem ou mal para as pessoas pode ser diferente de acordo com o ambiente e os genes que constituem aquele indivíduo ou população.