segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

O acaso e o planejamento (ou entre a repetição e a novidade parte II)

Um bom molho de tomate deve conter frutos maduros e tenros quem devem ser cozidos para tirar a pele e os caroços e posteriormente devem ser refogados em cebola e alho. A acidez deve ser corrigida com uma pitada de açúcar ou bicarbonato de sódio e assim temos um molho simples, rápido e normalmente não precisa de muita coisa para ser apreciado com um bom macarrão. Porém, quando adicionamos berinjela a esse molho de tomate temos um molho de sabor completamente diferente, o caponata. Como será que berinjela “caiu” no molho de tomate? Acaso? Dificilmente. Planejamento? Talvez! O fato é que os cozinheiros estão sempre em busca de novidades, mas precisam antes se esmerar para gerar rotineiramente um conteúdo de boa qualidade.
Mesmo assim, a idéia de que imprevistos participam do processo criativo é muito verdadeira. O “erro” é muito bem vindo na cozinha, pois introduzem uma variável que precisa ser administrada e muitas vezes geram uma saída criativa e tornam o produto final muito mais atraente e interessante. Na história da culinária existem alguns desses imprevistos afortunados. Um deles é o pão de massa fermentada. Os padeiros perceberam que a massa de pão, mexida em vasilhas sujas de massa feitas no dia anterior, fabricava pães aerados e maiores. Descobriu-se que havia fermentos (leveduras que contaminavam as vasilhas que os padeiros misturavam a massa) responsáveis pelo crescimento do pão que consequentemente trouxeram uma nova textura e um sabor, para a época, inusitado. Sucesso total e imediato.
Claro que a motivação específica do chef pode também trazer de propósito novidades à mesa fruto de elaboração intelectual e muitos testes.
A grande questão é justamente saber os limites entre a repetição e a novidade. Claro que gostamos de coisas novas e as experiências diferentes podem estar associadas a uma boa dose de satisfação, embora em algumas ocasiões a frustração seja inevitável. Antes de fazer um prato novo passo normalmente alguns dias pensando em variações possíveis que poderiam alterar de maneira marcante um molho de tomate, por exemplo, sem que o sabor seja confundido ou fique mesmo ruim!

Há receitas simples e rápidas que não precisam de muita prática, mas claro que a repetição garante o apuro e o refinamento do sabor de acordo com o gosto do chef. Uma delas é o purê de batata baroa que já é muito saboroso se for feito com manteiga e leite. Para isso, basta cozinhar 1kg de batatas até que estejam tenras e passar pelo amassador de batatas. Depois adiciona-se 2 colheres (ou mais) de manteiga e um copo de leite (250 ml). Simplesinho e gostosinho. Mesmo assim, resolvi incrementar um pouco a receita. Retirei o leite e reduzi a uma colher de manteiga. Entretanto adicionei dois ingredientes que modificaram a receita a ponto de fazer do purê um prato diferenciado e algo mais do que um simples acompanhamento. Basta adicionar dois talos de alho poró (fatiados bem fininhos) e meio copo (125ml) de azeite trufado! O resultado é estupendo. Uma variação planejada que funcionou muito bem.

Para acompanhar, uma boa pedida pode ser a picanha ou o pernil de cordeiro. A picanha é muito simples e deve ser temperada com sal e pimeta do reino moída na hora e depois frita inteira com um fio de azeite e, finalmente, fatiada fina.


O pernil é de preparo mais complexo, pois é necessário marinar com 24h de antecedência. Eu publiquei aqui uma crônica sobre o faisão a alabastro, do Isaías Pessotti, que sugeria uma mistura de vinho branco com alecrim fresco. Eu testei de uma maneira diferente. Eu coloquei alguns ramos de alecrim em uma garrafa de vinho branco por alguns dias. De fato o resultado é um vinho perfumado muito intenso, sem exageros, de coloração levemente dourada. Temperei um pernil de 1,5kg com 2 copos (500ml) desse preparado de vinho branco. Adicionei alho picado (4 dentes), e algumas folhas de louro e muitas folhinhas de alecrim, sal e pimenta do reino. Misturei também mais 2 copos (500ml) de aceto balsâmico. Rega-se ao longo do dia e leva-se ao forno por 20 minutos em aquecimento máximo. Abaixa-se o fogo para o mínimo, onde é assado por mais 1h ou 1h e 15 min ou até que o garfo esteja penetrando na carne e saindo com facilidade. A intervalos regulares 15-20 minutos o pernil deve ser regado.

Para terminar, um vinho tinto. Minha sugestão é um português como o Quinta do Alqueve, 2002. É robusto com notas de baunilha e boa estrutura. Pouco álcool perceptível no nariz e taninos presentes sem que estejam exagerados. Na verdade, esses são apenas rascunhos de receitas. Variações (propositais ou ao acaso) são sempre bem vindas e merecem ser testadas e aprovadas.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Entre a repetição e a novidade ( ou entre a simplicidade e a ousadia)

O prazer proporcionado pela execução de uma receita é observado não apenas no final do processo com profusão de elogios ao chef. Óbvio que esse é o “Grand Finale” e saborear um prato bem executado é maravilhoso para quem degusta. Entretanto para o cozinheiro, a certeza de uma boa receita começa com a execução perfeita e as etapas concluídas de acordo com o esperado. A simplicidade reside na objetividade, rapidez e exatidão de uma receita seguida de um bom resultado. Normalmente, esse resultado é obtido com a repetição ad nauseum da mesma receita que confere ao chef tranqüilidade para execução rotineira e certeza de dever cumprido. Gosto muito de uma analogia que podemos fazer da culinária com a arte. Se observarmos os estudos feitos por Picasso para o seu “Touro” observamos que ele partiu de uma imagem extremamente complexa e pesada, mas muito rica e bem elaborada até chegar a versão abstrata do touro que é inegavelmente um bovino chifrudo, mas com leveza no traço e fina harmonia (veja mais em centelha de gênios por Robert e Michelle Bernstein). Como foi feita a transformação? Com muitos rascunhos. Há uma seqüência grande de imagens que demonstra o caminho percorrido por Picasso para chegar até “O Touro”. Até chegar aquele resultado final de poucos traços, Picasso repetiu a mesma “receita” algumas vezes introduziu pequenas modificações aos poucos até chegar ao resultado final com uma receita original, nova e ousada. Certamente a criação do novo foi um projeto de muita repetição que propiciou o salto, a mudança. O simplicidade é prima de primeiro grau da ousadia.


A analogia serve bem para a cozinha, pois Ferran Adriá chega a uma “abstração” quando obtém texturas com algin, que são pequenas esferas que lembram caviar, mas que podem ter o gosto que quiser como o de melão.
Essa fusão subverte os sabores tradicionais. Como se víssemos uma carta de baralho com um Rei de copas preto! Ou mesmo quando olhamos um quadro de Picasso em sua fase cubista e vemos rostos quadrados. Para uma experiência completa devemos abstrair e olhar profundamente, além dos riscos no papel ou na tela. Comidas esferificadas ou gelificadas de Ferran Adrià, entre outros que seguem a linha molecular da gastronomia, rompem com o paladar convencional e, por isso, temos que saborear com as expectativas de ir além, de experimentar sem preconceitos, e com os sentidos aguçados para identificar o novo na mistura com o antigo apenas com uma apresentação diferente.


A boa notícia é que a maioria dos componentes de “kits” com as novidades introduzidas por Ferran Adrià podem ser garimpadas em lojas especializadas sem os nomes chiques e os preços assustadores. Por exemplo, para se fazer comidas gelificadas pode-se comprar Agar que é um açúcar isolado de algas que tem um ponto de fusão bem alto e, portanto, apresenta-se em forma de gelatina a temperaturas de servir comidas quentes (em torno de 40-45oC). Que tal um bife gelatinoso? Para atingir o ponto de gel é importante aquecer, como na gelatina, até obter uma solução homogênea. Para cada meio copo (100ml) algo como 1g de Agar (uma colher de café rasa) é suficiente para um gel consistente e saboroso. É necessário também um pouco de desapego aos sabores tradicionais. Portanto, basta adquirir os novos ingredientes e experimentar, ousar e testar receitas antigas com novos um ingredientes para surpreender a si mesmo e aos amigos. Seja diferente e boas receitas novas!

domingo, 28 de setembro de 2008

O faisão a alabastro e a genialidade na cozinha

Na década de 90, Isaias Pessotti escreveu “Aqueles cães malditos de Arquelau” (editora 34) que é uma romance delicioso de ser lido, pois o autor é capaz de desvelar toda sua erudição em textos cativantes que apresentam uma investigação histórica com pitadas de humor em um Itália dos anos 60, onde homens cultos e engraçados se envolvem com mulheres lindas e inteligentes, ou seja, o mundo perfeito! Entretanto, a maior qualidade de Isaías é a capacidade de descrever as paisagens onde esses encontros acontecem e, acima de tudo, as grandes refeições, onde as pessoas se deliciam de pratos e idéias absolutamente fenomenais. Em “Aqueles cães”, um jovem grupo de pesquisadores entre historiadores, filósofos, psicólogos, e escritores do Instituto Galilei está desvendando um mistério sobre o conteúdo de um livro escrito na Itália de 1500. Entre as discussões que vão ajudando os protagonistas a elucidar o enigma, historietas comuns de amor e desejo interpelam nossos heróis. Logo no início, um belo trecho apresenta uma “teoria sobre a genialidade”, que utiliza como modelo, a culinária, mais especificamente a cozinha do Menarost uma tratoria no caminho para Sant´Ilario. O dono do restaurante, Giulio, descreve como a Chef, sua esposa Lisa, é capaz de cozinhar com brilhantismo: “Lorenzo (que é um dos estudiosos do Galilei) definiu as coisas: então temos ingredientes e temperos. Os temperos são produtos dos ingredientes e um mesmo produto pode resultar de diferentes misturas de ingredientes.
- Bravo Professore (respondeu Giulio). Lisa é capaz de produzir os sabor que ela quiser com as mais diversas combinações de ervas, licores, vinhos e especiarias. Foi assim que ela produziu sua receita original (...). Lisa descobriu que uma mistura de vinho branco forte e seco , não muito maduro, combinado com alecrim, tem o aroma dos grandes destilados alpinos, e o sabor dos conhaques mais secos: isso significa uma série de vantagens. Exclui-se o conhaque, e com ele, o sabor licoroso ou adocicado e a cor mais escura da carne e do molho. O faisão ganha uma leve cor dourada, puxando mais ao ouro do que ao cobre. Mais ainda ela descobriu que o faisão fica mais macio e úmido, se antes de ir ao fogo, passar uma noite nessa mistura de vinho branco, tipo Malvasia e alecrim. Mas há uma detalhe sobre o alecrim: tem que ser colocado principalmente sobre a pele do faisão. Após algumas horas de repouso, o faisão desprende um perfume delicado e alcoólico, como se os aromas do vinho e do alecrim se fundissem num perfume novo (...).
- Desculpe Giulio(disse Lorenzo), eu entendo que Lisa criou uma receita nova e deliciosa. Mas qual é a diferença entre novidade e genialidade de uma receita?
Giulio esperava a pergunta. Respondeu categórico e quase complacente ante a nossa incompetência:
-Uma receita é genial quando tem três qualidades. Ela deve ser original, uma solução superior para obter um certo prato, e deve produzir novas receitas ou aplicações a outros pratos. A de Lisa é genial por tudo isso: é completamente nova, resolve melhor os problemas do preparo do faisão, como sabor umidade, cor, aroma e, em terceiro lugar, já ficou um estilo uma marca dos pratos de Lisa. Ela já melhorou ou criou, depois disso, várias receitas para frango, pombo, peru, e até certos pratos de vitela” (Aqueles cães malditos de Arquelau, Isaías Pessotti págs 39-40).
Ainda não consegui reproduzir a receita de Lisa, mas concordo com Giulio que uma receita é genial quando apresenta três características simples: originalidade, superioridade (no sentido de ajudar a explicar e resolver problemas), e aplicabilidade em outras receitas.
Se pensássemos em genialidade em outros exemplos de arte como a pintura, muitos movimentos, como o impressionismo, foram geniais porque modificaram uma estética a base de uma técnica muito apurada, em conjunto com características subjetivas e libertárias como a abstração. Assim os grandes mestres do impressionismo como Edouard Manet e Claude Monet alteram uma visão dominante de mundo nas artes no final do século XIX. A obra “impressões-sol nascente” de Monet nomeou o movimento e norteou uma grande quantidade de produções artísticas porque apresentaram ao mundo uma “receita” original, superior, e aplicável (técnica e artisticamente). A partir daquele momento inúmeros artistas passaram a aplicar o novo e original conceito ao conceber suas obras. Portanto, a genialidade na cozinha, na arte ou na ciência é um ato de profundo conhecimento que pode ser considerada explosiva porque normalmente ultrapassa barreiras, funde idéias, articula noções que estão espalhadas e altera bruscamente visões de mundo criando alternativas. Isso em gastronomia significa fundir ingredientes para criar temperos diferentes que são largamente utilizado, ou mesmo novas estratégias de assar ou cozinhar ou pernil de cordeiro. Mais recentemente, Chefs de cozinha recorrem ao conhecimento científico para ajudá-los nas explicações para que isso possa servir de base para a criatividade integral.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

La Paella de Dom Raphael

Fui apresentado de maneira enviesada a paella de Dom Raphael há uns 10 anos mais ou menos. Cheguei atrasado e a um jantar de aniversário que já estava no fim. Dom Raphael estava fazendo uma de suas especialidades, a paella com a receita original mantida pela família Peres de origem Espanhola, e cozida em uma “paellera” de mais de 100 anos. Meio constrangido aceitei um pratinho para não parecer deselegante. A partir dali tive a sensação de que todos me observavam, pois era o último a comer e estava provando pela primeira vez o festejado prato espanhol na casa tradicional de descendentes de espanhóis. Provei e gostei. Entretanto não foi uma daquelas sensações de êxtase sensorial como esperava tanto eu quanto todos os outros que me fitavam de esguia. Levantei os olhos e, rapidamente, todos desviaram suas atenções. Elogiei sem muita convicção e percebi que algumas pessoas ficaram muito ofendidas. Foi um péssimo começo na família já que Dom Raphael é meu sogro. Hoje tenho certeza que apreciar a boa gastronomia requer uma boa dose de treinamento e paciência. É parecido com a capacidade de entender uma obra de arte. De que adianta observar um Mondrian sem a capacidade de abstrair e fazer analogias. Sem abstração são apenas linhas e formas geométricas, mas podem ser casas no campo, e tantos outros cenários.

Nesses últimos anos treinei um pouco e fui ganhando experiência (que é a maneira carinhosa que eu chamo a minha barriga) e aprendi a perceber sabores, cheiros, temperos, texturas e muito mais. Percebo a diferença entre um molho de tomate enlatado e um caseiro feito com tomates frescos. Por tudo isso, a minha verdadeira apresentação à Paella foi de segunda. Somente com um tempo que eu comecei a entender e apreciá-la. A segunda vez a gente nunca esquece. A paella do Dom Raphael leva frutos do mar sendo obrigatórios: o camarão, a lula e o polvo. Também tem vagem francesa, molho de tomate, azeite extra-virgem (espanhol é claro) e paio?! Isso mesmo a lingüiça de porco é muito saborosa e eleva o paladar da paella. Uma receita de paella é sempre para muitas pessoas. Isso é mais uma qualidade do prato espanhol. A paella é um prato festivo que pode ser cozido em cima de uma churrasqueira. E, como o churrasco, pode demorar 2-3 horas de preparo (contando o tempo para preparar os caldos). Por isso é perfeito para receber os amigos e brindar a vida com muito vinho é claro.
Para cozinhar para 12-15 pessoas inicie o preparo separando os ingredientes: Azeite espanhol extra virgem (250ml); 2 cebolas picadas; 6 dentes de alho. Fatie bem fininhas as lulas ainda cruas, limpas e sem pele, temperadas com sal e pimenta (1kg). Separe as bolsinhas de tintas das lulas e bata no liquidificador com 250ml de caldo de camarão (ver abaixo). Separe 3 paios em rodelas, previamente fervidos para tirar a pele (ferve o paio inteiro, depois tira a pele e corta em rodelas); 1 pacote e ½ de vagem francesa (fininha). Tirar as pontas; 8 tomates sem caroço batidos no liquidificador; 1 polvo grande (1kg e ½ ) que precisa de ser previamente cozido na panela de pressão com água e sal por 10 min (se for pequeno) ou 15 min (se for grande). Limpar, tirar a pele, o pé e cortar as ventosas. Importantíssimo: Reserve a água do cozimento. Descasque 1kg de camarão pequeno e tempere com sal e pimenta. Ferva as cascas do camarão (sem cabeça, com sal) em separado e reservar a água. Camarões grandes com casca, sem cabeça, para decoração;
4-5 copos de arroz (800-1kg da marca Uncle Ben´s);
O preparo é simples, mas requer agilidade no manuseio das panelas porque pequenos atrasos podem levar a perda do ponto de cada carne, especialmente das lulas e camarões. Vamos lá: Coloque o azeite em uma paellera e deixe esquentar. Acrescente a cebola picada e logo depois o alho até dourar. Adicione as lulas e cozinhe por 3 a 5 minutos; Adicione o paio e cozinhe por mais 3 a 5 minutos. Repita a operação com a vagem francesa (5 minutos) e o tomate batido (5 min). Adicione o polvo e acrescente as águas do polvo e das cascas do camarão (já batidas com as bolsinhas de tinta da lula). Essa água deve ser adicionada fervendo. (IMPORTANTE: proporção da água: 3 copos de água para cada copo de arroz). Deixar ferver por + ou – 6 minutos. Coloque o arroz “em cruz” e deixe cozinhar 3 min e adicione os camarões grandes, com casca. Deixar cozinhar por 15 minutos. Por fim, acrescente os camarões pequenos e deixe cozinhar até quase a água secar (+ ou – 10 min). Esse é o segredo da Paella que deve sair do fogo ainda bem molhadinha. Outra observação importante é mexer sempre antes de colocar o arroz, mas depois de adicionar, evite mexer. Depois de apagar o fogo, cubra a panela com papel laminado e pano de prato. Deixe abafando por até 1hora. Entretanto pode-se servir com 15 minutos.

Curiosamente, no Brasil, a maior parte das pessoas pronuncia Paeja por conta do sotaque castelhano dos nossos amigos ao sul. Isso é menos importante, mas uma questão que é definitiva é a dos vinhos para acompanhar a “paelha” ou “paeja”.
Eu gosto de vinhos tânicos e mais fortes como os Shiraz, Merlot e Cabernet Sauvignon. Os sabores fortes e variados da Paella pedem um vinho com mais corpo. Entretanto, testei vinhos Argentinos de uva Malbec com alguns meses de passagem em barris de carvalho e acabou como uma excelente escolha. Reúnam os amigos e boa Paella para vocês.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Queria ver o Claude Troisgros cozinhando aqui em casa



Gostava na minha infância de assistir programas de culinária e gastronomia e achava engraçada a cena de colocar o assado no forno seguido imediatamente de um sinal sonoro avisando o término do preparo. “A maravilhosa cozinha de Ofélia” era um desses programas. A imagem que se seguia mostrava como que por mágica a mestre-cuca retirando o assado prontinho. Dava para sentir o cheiro e o sabor daquele prato muito bem-decorado. Sentia-me como o cão que pára estático, hipnotizado em frente a um forno de frangos. As mudanças nos programas de culinária de hoje deram agilidade e retiraram os Chefs-atores das cozinhas. Hoje temos até reality shows que se passam no "inferno" dos restaurantes. Uma coisa maravilhosa desses novos programas são os apetrechos sensacionais que os Chefs utilizam. Isso criou uma grande dúvida para mim: como seria que os Chefs-atores desses programas maravilhosos se comportariam em uma cozinha comum? Imaginem a cena: o Claude Troigros na minha cozinha de 8m2 me dizendo: “Milton, você terria uma faca mais afiada?” ou ainda “você pode me passar um bouquet garni?” Esse seria um excelente reality show. Tenho certeza que um Chef profissional deve cozinhar bem em qualquer lugar. Entretanto será que ele conseguiria se adaptar a situações básicas como a ausência de um ajudante, o material de segunda categoria e a falta de espaço? Claro que hoje qualquer chefe amador tem em sua cozinha apetrechos de boa qualidade, mas os ingredientes, muitas vezes, são os que se encontra no supermercado da esquina. Eu mesmo já comprei na farmácia alguns pequenos equipamentos para melhorar o desempenho, mas será que seria suficiente para um Chef profissional? Recentemente em suas andanças pelo mundo, no novo menu confiança, Claude Troigros cozinhou com o Inglês Jamie Oliver. Mas eu queria mesmo era ver ele se virar com as minhas panelas!

sábado, 8 de março de 2008

Memórias gastronômicas de viagens: Argentina, Buenos Aires


A neurobiologia hoje estuda incessantemente as bases biológicas da memória. Não há a menor chance de discutir esse ponto aqui bioquimicamente, mas é impressionante a capacidade que eu tenho de lembrar de grandes encontros, especialmente jantares. Os detalhes normalmente me surpreendem porque eu lembro da entrada, do vinho, do atendimento do garçom e das gargalhadas compartilhadas com histórias que normalmente começam com vinhos, comidas, e terminam festivamente em trabalho (a discussão prazerosa do ofício nosso de cada dia).
A Argentina, mais especificamente Buenos Aires é um desses lugares, que evoca boas memórias onde eu poderia resumir que comer bem é muito simples! Os pratos são assim: Bife de chorizo, bife de lomo, assado de tiras... Para nossa cultura esse tipo de apresentação mereceria um acompanhamento: salada, arroz, “papas” fritas. Entretanto, não é necessário.
Estive no Palácio Espanhol na 9 de Julio próximo a avenida de Mayo. O salão é lindo e espaço fartamente decorado com muito mármore, até o banheiro é sofisticado e espaçoso... Mas na verdade nós fomos lá para comer!
Quando pedi um bife de chorizo achei que valeria a pena um panaché de “verduras”.Quando chegou o bife percebi, em pânico, o tamanho do desafio de 300g do mais macio corte de carne bovina que já experimentei... O panache de verduras ficou de lado. Concentrei-me na tarefa de dissolver (literalmente) pedaço por pedaço o bife em minha boca. Estava acompanhado de boas amigas de papo, copo e garfo. Marília e Dora me ajudaram a me debruçar sobre dois vinhos sensacionais. Pedimos inicialmente, um Lagarde Shiraz 2004. Maravilhoso. Frutado sem ser enjoativo, com corpo equilibrado e profundo. O Bouquet de frutas vermelhas e notas de amoras foi marcante. O sabor duradouro era uma das suas melhores características. Foi uma dessas alegrias efêmeras porque não durou nem 40 minutos de conversa e bife de chorizo. Resultado: tivemos que pedir mais um vinho. Para não errar ficamos no Shiraz e acabamos acertando em cheio em um San Felicien da Catena Zapata 2002. Esse era ainda melhor! Simplesmente sensacional. Muito intenso, com frutas pretas, Bouquet exuberante... Foram horas de boas conversa e muito vinho e curiosa (ou felizmente) eu lembro apenas do vinho e do prato principal. Infelizmente não tirei fotos essas noite e peguei emprestado a foto do bife de Chorizo de blog do “The Travelling Hungry Boy” que parece que também adorou os cortes argentinos de carne bovina!

Memórias gastronômicas de viagens: Moçambique
















Em que país há a possibilidade de você comer uma Ameijoa a Bulhões Pato e um Biryani de cabrito? Moçambique!
O destino foi Maputo, capital do país. Maputo é uma cidade de colonização portuguesa, que parece muito como uma mistura de ilha do governador no Rio com uma cidade do interior no nordeste do Brasil. Essa percepção surge de uma observação simples: a cidade está à beira de uma baía com casas nobres em ruas arborizadas, mas ao mesmo tempo, “para dentro” da cidade vemos bairros mais humildes com casas pequenas sem luxo. Ainda, houve-se nas ruas um som dos carros parados nas esquinas que parece lambada e salsa. E adiciona-se a hospitalidade e a gentileza das pessoas de fala mansa e cantada (é o sotaque de português misturado com o Baiano).
Em Maputo conheci com um amigo Brasileiro, Savino, e alguns companheiros Moçambicanos como o Ilesh, alguns restaurantes que eram freqüentados realmente por moçambicanos.
Logo descubro em conversa com o Ilesh que a cidade teve, na década de 30, um período de forte imigração de Indianos. A influência na gastronomia é óbvia. Tanto que quando chegamos para jantar no “O coqueirão”, percebi rapidamente no cardápio nomes como chamoosa, curry e leite de coco. Não tinha mais dúvida que a influência Indiana foi definitiva. O restaurante me lembrou muito aquela mistura de boteco-bar-restaurante-pé-sujo do Rio. Uma combinação com mesas de plástico, serviço eficiente e rápido, e a comida de altíssimo nível. Um clássico da baixa gastronomia carioca, quer dizer, Moçambicana. Estávamos em quatro e pedimos moelas estufadas de entrada com cervejas locais como a Laurentina, e 2/M. As moelas não eram muito diferentes daquelas que comemos no Brasil. As cervejas eram muito boas, embora estivessem um pouco quentes. Depois, nos pratos principais pedimos para dividir: cabril (um cozido) de vaca com batatas; galinha com curry e galinha zambesiana (uma província ao norte de Moçambique) e o Xipoti de cabrito. A galinha é levemente adocicada. Uma receita leve e muito saborosa. Entretanto os campeões da noite foram os pratos de cabrito. A carne de cabrito é também adocicada e estava muito macia. Uma delícia!!

O país é muito jovem, apenas em 1975 que ocorreu a independência. Mesmo assim o processo de colonização portuguesa misturado a localização no sudeste da África rendeu uma cultura bem misturada que tem na gastronomia exemplo típico. É exatamente o que disse no inicio desse texto. A presença de Africanos, Indianos, Árabes e Portugueses criou a base da população Moçambicana que, como no Brasil cresceu em um processo de mistureba geral. É fácil conhecer pessoas que tem nomes portugueses, mas com ascendência africana bastante óbvia. Curiosamente, na conversa percebemos que há miscigenação, pois os avós maternos eram portugueses e os paternos Indianos. Na culinária, além da comida Indiana que foi o nosso primeiro destino a Portuguesa tem muito destaque.

Por exemplo, no restaurante “O escorpião” encaramos um Bacalhau a ti laurentina, que é uma posta grossa de peixe bem cozido ao molho de tomates, cebola e pimentão, servido com batatas portuguesas. Talvez uma das características marcantes da cozinha portuguesa em Moçambique seja a leveza. Mesmo um prato português clássico consegue ser leve. Aqui no Brasil isso não é necessariamente verdade. As tiras de bacalhau esfacelavam-se com o toque do garfo. Tivemos ainda a feliz escolha de pedir vinho branco Monte velho 2006 da casa Herdade do esporão no Alentejo. Normalmente, tenho restrições a vinhos brancos, mas a esse eu me rendi. Perfumado na medida certa e com um sabor leve. Fechamos a noite com o colchão de noiva que uma sobremesa muito interessante. É um simples pudim de natas com uma farofa de biscoitos maisena. Entretanto demos um turbinada sugerida pelo amigo, Savino, que pediu um dose de maciera para regar o pudim.

No restaurante Maputo Waterfront comemos duas vezes. A primeira pedimos um filet de cabrito com acompanhamento de verduras, batatas coradas e legumes cozidos. Mais uma vez muito leve. Para beber, escolhemos o sul-africano Zonnebloem shiraz 2005. O restaurante está localizado a beira da baía em um sítio (como se diz lá em Moçambique) muito nobre com uma vista encantadora da boca da baía de Maputo. Uma curiosidade: alguns restaurantes que parecem clubes, pois têm mesas e cadeiras a beira de piscinas para que as pessoas possam ir almoçar e pegar uma solzinho, enquanto as crianças se divertem na água.



Voltando para a comida, o melhor de tudo foi a entradinha. Pedimos uma lingüiça de chouriço de porco que veio acompanhada de queijo feta, azeitonas pretas e uma pastinha branca de sabor levemente adocicado que era um espetáculo. Como não reconheci prontamente o sabor, perguntei ao garçom que me disse que era um, pasmem, molho de alho! Basta cozinhar o alho, amassá-lo bem e misturá-lo com azeite. Uma delícia e facílimo de fazer! Realmente uma entrada imperdível.
Na segunda visita ao mesmo restaurante comi uma caldeirada de cabrito com xima, que é um angu de fubá durinho e sem sal. Mistura-se com o molho da caldeirada e piri-piri que é a pimenta local. Fica muito, muito gostoso. Realmente tenho um apreço especial por cabrito. A caldeirada estava divina, mas o campeão desta noite foi o Sul-Africano Fleur du Cap Merlot 2005. A indicação do Ilesh foi simplesmente o melhor vinho que eu bebi nesta viagem.

Em Maputo, só bebemos sul-africanos e portugueses. Foi uma redescoberta importante dos portugueses como o Reguengos e o Dão meia Encosta e o Dão Foral Dom Henrique (Touriga Nacional-Jaen), ambos encontrados em lojas aqui no Rio e a descoberta dos Sul-Africanos. O outro que merece destaque é o Guardian Peak Frontier (Cabernet Sauvignon-Shiraz- Merlot) também fácil de ver em lojas cariocas. Ficam as dicas de vinhos e de molhos. Certamente, estarei me arriscando em algumas receitas brevemente. As bem-sucedidas estarei compartilhando logo! As fotos sào uma cortesia do Savino, fotógrafo amador, e bom companheiro de mesa de bar!

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Herve This e a Gastronomia Molecular












Recentemente, a Scientific American publicou uma pequena coleção de 3 volumes denominada “Ciência na cozinha”. É uma viagem pelo mundo da gastronomia molecular, disciplina fundada a pouco mais de 30 anos por pesquisadores como o físico Nicola Kurti e o químico Herve This. Este último, autor da maior parte dos artigos da coleção. O interessante é que de uns tempos para cá tanto os Chefs renomados quanto os cozinheiros amadores tem prestado mais atenção aos conhecimentos científicos e recursos tecnológicos para (re)inventar, e aprimorar os alimentos que preparam.

Há certamente uma boa discussão que retomo muitas vezes aqui sobre a criatividade na arte e na ciência. Muitas pessoas acreditam que existe uma dicotomia onde a criatividade está na arte enquanto na ciência concentra o rigor, a objetividade e a experiência controlada. Essa é uma idéia deturpada. Tanto criatividade quanto o controle experimental existem em cientistas e artistas. E um bom Chef precisa de uma colher de chá de criatividade e uma pitada de rigor experimental!

O que a gastronomia molecular trouxe para as cozinhas foi exatamente a possibilidade de justificativa para as receitas da vovó. A culinária pode ser facilmente explicada com conhecimentos básicos de química, física e biologia. Com isso, é mais fácil entender processos como a emulsificação (que é como fazemos maioneses), pois entendemos que o ovo fornece a “liga” entre água e óleo normalmente imiscíveis. Isso ocorre porque a presença de uma proteína do ovo, a lecitina, isola o óleo em micro-partículas que se espalham pela água e viram a maionese que conhecemos tão bem. Hervé This explica isso no primeiro volume da coleção.
Assim, é mais fácil cozinhar, pois o conhecimento de processos quimicamente semelhantes pode favorecer a execução de algumas técnicas e propiciar novas descobertas e experiências.

No final de 2007, em visita a SP, This apresentou suas idéias sobre a polêmica entre a ciência e a arte e concedeu uma rápida entrevista ao site G1 da Globo. Ele mesmo se intitula um excelente artesão (técnico) da culinária com pouca capacidade artística e diz, nessa entrevista, que os grandes Chefs que são os verdadeiros artistas. Curiosamente, Herve This parece compartilhar a visão dicotômica entre a rígida tecnologia, em contraposição a habilidade criativa presente na arte. É engraçado que o químico, considerado um dos pais da gastronomia molecular, não tenha a percepção de que, hoje, a ciência, a tecnologia e a arte são indissociáveis. E que a criatividade nào está presente apenas nos artistas. Claro que para critérios didáticos possamos fazer a distinção entre o artesão, o cientista e o artista.

Quando a técnica explicada e refinada é sujeita a uma pequena transformação, será arte? Será esse artesão também um artista? Seria então o artesão um artista porque é criativo ou seria um apenas um técnico porque é capaz de reproduzir com rigor seu produto?

E onde entra a ciência nessa discussão? Talvez nessa estrutura tripla de produção que é a gastronomia que mistura arte-técnica-ciência, a validação científica tenha chegado por último e invadido de vez o campo. O motivo é simples os cientistas geram teorias e as testam explicando e justificando como as coisas acontecem, no nosso caso, como uma receita funciona, por exemplo. Isso é sensacional porque muitas vezes essas teorias ultrapassam as explicações específicas para uma receita e universalizam uma idéia e várias outras receitas!

Algumas dessas explicações são originais que ajudam e conceituar várias novas questões que até aquele momento eram difíceis de explicar. Portanto, nesse momento a criatividade é comum ao cientista e ao artista.

Na prática um artesão precisa do rigor técnico para reproduzir seus produtos (tecnologia), mas quando ele começa a perguntar como aquilo funciona e testar, passa a fazer um experimento e explicá-lo e justificá-lo a partir dos resultados (nesse caso torna-se um cientista).

A verificação gera uma teoria que justifica o funcionamento, mas o resultado continua sempre sendo uma bela maionese. Quando o artesão adiciona algumas gotas de limão e ervas pode ser a melhor maionese de todas: leve, fina, colorida, cheirosa. Simplesmente a melhor. Seria ele então um artista? A gastronomia hoje é talvez um dos mais relevantes exemplos do emaranhado de conhecimento entre técnica, ciência e arte.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

O Drink do Verão










Há alguns anos, fui apresentado ao Mojito cubano pela minha cunhada que voltada de Havana completamente apaixonada pelo drink. A bebida é decididamente a melhor coisa que pode acontecer no verão. Mesmo os amantes de caipirinha, como eu, balançam diante da bebida que foi criada no bar preferido de Ernest Hemingway o La bodeguita del Médio que hoje tem franquias muito bem sucedidas no México.

Talvez as duas grandes diferenças do Mojito para outras bebidas parecidas, como a própria caipirinha e a Margarita, sejam a utilização de hortelã e água mineral na mistura. Por isso, o Mojito carrega um frescor que é obrigatório nos dias de sol. E, ainda, acompanha bem um petisco na beira da praia ou da piscina e uma boa companhia. Na receita original usa-se suco de limão e água mineral, mas como bom brasileiro gosto de fazer pequenas alterações nas sempre bem-vindas comidas e bebidas estrangeiras. Por isso uso limões cortados em pedaços. Sempre use limões macios e de casca lisinha que é a regra número 1 de um bom Mojito, bem como de uma boa caipirinha. Corte um limão em quatro pelo eixo maior, que é aquele que fica pendurado o galinho do limoeiro. Corte fora o meio do limão e parta em pedaços menores (pode-se usar também com limões Sicilianos). Junte umas 12 folhas de hortelã e macere tudo junto com uma colher de açúcar. Adicione uma dose de rum branco e duas doses de água mineral gasosa. Depois, adicione bastante gelo e misture bem, numa coqueteleira se possível. Se estiver servindo para uma mulher decore com um raminho de hortelã. Esse é o primeiro passo para a conquista. O drink desce como água na verdade como suquinho de limão e, ainda, não se percebe o sabor do rum! Quem bebe o primeiro geralmente bebe mais três ou quatro. Essa é a outra vantagem: o mojito não é enjoativo e não “pega” com facilidade. Experimente nesse verão. Não tem erro!