domingo, 29 de julho de 2007

Os ingredientes


Tem um livrinho que eu comprei na Itália chamado "Cuochi si diventa" (Allan Bay, ed Feltrinelli) que traduzido quer dizer: Ninguém nasce cozinheiro!

Nem guia pra se tornar um chef, existe um capítulo inteiro dedicado aos ingredientes. Um bom jantar, começa na feira e no supermercado. Uma vez conversando com o garçon em restaurante italiano ele disse: "compre tomates de 1 dolar, e terás um molho de 1 dolar. Compre bons tomtes e terás um bom molho".

Tenho trabalhado arduamente na tentativa de fazer o melhor molho de tomate do mundo e descobri que não podemos fazer um molho de tomate quando queremos. Tem de ser quando os tomates aparecem. Eu vou ao mercado e um dia olho para a banca dos tomates e digo: "É dia de molho!" Ligo pros amigos e eles já sabem que dentro de 4 dias, o tempo de preparo, estaremos aptos a marcar o jantar.

Não foi diferente dessa vez. Quando vi esses tomates na Cobal, sabia que o próximo encontro de nossa confraria teria macarronada. Estavam maduros no ponto, bem vermelhos e perfumados.

O cozimento, ao contrário do que a minha formação científica sugere, é mais uma arte do que uma receita.

Coloco em geral 4 cebolas grandes para 3 kg de tomate. Uma quantidade enorme de alho. Cozinho o refogado separado. O azeite de oliva quando cozido por muito tempo começa a formar compostos fenólicos que podem deixar gosto ruim na comida. Se vai fritar alguma coisa, por mais que o azeite virgem pareça a opção mais chique, não é necessariamente a melhor. Opte pelo velho e bom óleo de soja, ou de arroz. Eu uso de canola, que é tão saudável quanto o de oliva e muito mais barato. As quantidades homéricas de alho e cebola ficam então refogando até ficarem bem bronzeadas.


Enquanto isso os tomates foram descascados e descaroçados. Essa é uma etapa importante porque tanto a casca, quanto o caroço podem atrapalhar o aspecto, a facilidade de comer (sem os fiapos que a casca vira) e o gosto (amargo dos caroços). Você pode usar duas táticas para despelar e descaroçar. A mais recomendada e colocar os tomates no forno, que também tira a 'água da fruta' a água do próprio tomate, que segundo alguns autores pode causar também, algum amargor. Eu nunca notei, e sempre uso colocar os tomates em uma panela com água fervendo por alguns minutos. A casca sai quase inteira. Depois tiro os caroços e coloco os tomates, sem picar, mas sem estarem inteiros, na panela e deixo cozinhando sozinhos.

É bom colocar um pouco de açúcar pra quebrar a acidez (1- 2 colheres de sopa cheias) e depois sal. Deixa cozinhar bem. Depois, da mesma forma que se tempera o feijão, adiciono o refogado de alho e cebola. A seguir vem o manjericão seco e óleo de oliva.

Finalmente, olho para minha coleção de temperos e... de acordo com o meu humor posso colocar nós moscada, pimenta preta e outras combinações.


Cozinhar por algumas horas e depois deixar o molho descansar, a frio de preferência (dentro da geladeira) é o pulo do gato. As reações químicas que acontecem com o passar do tempo, especialmente a frio, ajudam a encorpar e apurar o sabor, sem estragar o molho. Isso também sugere que congelar não estraga, apenas melhora, o molho.

O resultado, como vocês podem ver, foi um espetáculo que degustamos com várias garrafas de Prosseco.

Ciência & gastronomia: os cientistas são cozinheiros. Os Chefs também precisam saber ciência?

A arte de cozinhar exige vários conhecimentos científicos que na maior parte das vezes é intuitivo. Vários livros sobre o assunto já foram publicados como: “O que Einstein disse ao seu cozinheiro” (Robert L. Wolke, Jorge Zahar). Lá é possível descobrir que o chocolate derrete nos seus dedos porque a temperatura de fusão do chocolate é de 36,5oC e como a nossa temperatura corpórea é 37oC quando seguramos o chocolate ele rapidamente começa a se fundir... Várias outras questões dos por quês até as dicas de "como fazer" seguido das justificativas químicas, físicas ou biológicas podem ser encontradas nesse livro.

Entretanto, não é esse o meu objetivo aqui. Na verdade, uma questão interessante em gastronomia é que normalmente se associa a atividade dos chefs a grande capacidade criativa, mas dificilmente se valoriza o rigor científico que eles estão sujeitos para conseguir atingir aqueles objetivos iniciais. Uma receita nada mais é do que um procedimento detalhado para se realizar um prato. Claro que existe uma diferença entre grandes Chefs e cozinheiros honestos. Talvez a arte se esconda exatamente aí! Por que a qualquer receita pode estar escrita em um livro.

O que estou querendo dizer é que artistas, como os Chefs de cozinha, também são cientistas . Por outro lado, os cientistas também são cozinheiros porque para fazer experiências científicas eles normalmente seguem receitas. A grande diferença é que não se pode comer o resultado das experiências no final.

A analogia é importante. Vejam o referencial do Chef se pudermos compará-lo ao cientista. Começamos com as boas ferramentas: os apetrechos podem até ser de grande simplicidade como as panelas de barro e colheres de pau. Entretanto, Chefs que se prezam tem também a disposição centrífugas, processadores e outros equipamentos da mais alta tecnologia. E os ingredientes? É fato que os melhores Chefs tem sempre a mão uma miríade de produtos extraordinários, fonte inesgotável de prazer para cozinhar e deixar-se seduzir pelo resultado final do preparado. As receitas são verdadeiros protocolos que especificam cada etapa do procedimento: dos ingredientes requeridos à ordem com eles são misturados. Chefs ainda usam um “jaleco” branco. Altamente científico!
Então por que que quando seguimos as receitas do Miguel o magnífico, Oliver, ou do "Doutor" José Hugo Celidônio (eles certamente deveriam ter o título de doutorado em gastronomia se chegarmos a conclusão de que culinária é uma ciência) muitas vezes percebemos que o resultado é apenas razoável? Talvez o ponto seja esse, que, curiosamente, também existe nos cientistas... a mão, ou seja, a habilidade de conseguir traduzir todos aquelas regras passo-a-passo em um perfeito e suculento Steak a poivre... Simples assim.


Poxa, mas está ficando complicado. O esteriótipo dos cientistas é normalmente o de profissionais objetivos, altamente qualificados e a prova de erros. Bobagem... Bons cientistas precisam daquele “algo a mais” para transformar uma boa “receita” em um experimento de bons resultados... Da mesma forma que os Chefs!
Será que essa habilidade, a “mão-de-Chef”, é o que chamamos de criatividade? Acho que não. Segundo Domenico de Masi, a criatividade é “a combinação de fantasia e realização”. A capacidade de romper com os conceitos estabelecidos, fundindo, inovando, multiplicando o saber.

Em culinária moderna um exemplo atual de criatividade éa a gastronomia molecular do Chef espanhol Ferran Adrià do “El Bulli”. Adrià ganhou termo no Wikipedia. E é conhecido por experimentos que rompem os conceitos convencionais de texturas e sabores que são elaborados em seu laboratório/oficina chamado de “El Taller”. Segundo a Time magazine Adria é um das personalidades mais influentes do século 21. Contudo, a gastronomia molecular é uma forma mais rigorosa de cozinhar, onde os testes sobre a maneira de selar um bife, por exemplo, são avaliadas cuidadosamente com comparações entre grupos de bifes fritos a temperaturas diferentes (Veja mais no sítio de gastronomia molecular e a ciência da culinária aqui .

De qualquer forma, não é a idéia do rigor científico que torna Adriá criativo, mas a capacidade de fazer um bife com textura de gelatina que rompe o conceito de bife e também da gelatina!! Chefs e cientistas normalmente usam algum rigor e suas mãos hábeis para produzir grandes experimentos, mas esse processo embora bem registrado é sempre muito intuitivo e a capacidade de observar, abstrair e fazer analogias (ver mais em Centelhas de Gênios Robert e Michelle Root-Bernstein, Nobel editora, 2001) que modifica uma teoria, uma forma de pensar, uma maneira de riscar traços em uma tela ou fazer um bife. Isso é a criatividade comum a cientistas, artistas, Chefs, músicos, etc. E não é só isso! Toda a rotina de execução também é comum... É talvez seja isso! Não há diferenças entre arte e ciência. Não há diferenças entre cientistas e Chefs. A não ser que consideremos que a diferença no final se baseie no uso do chapéu...

domingo, 22 de julho de 2007

A vingança dos Argentinos

A despeito da rivalidade eterna entre Brasileiros e Argentinos, especialmente no futebol, não podemos negar algumas grandes qualidades dos nossos Hermanos! Boa educação, música, literatura e cinema de primeiro grandeza e certamente uma gastronomia de excelência. Carnes de nível invejável que apreciamos nos cortes consagrados no Brasil, mas que a origem argentina são decididamente melhores. Para finalizar ainda temos os vinhos. De primeiro time. Para organizar uma jantar com o tema Argentina é fácil. Primeiro basta escolher bem a carne: picanha maturada. Não sei se todos sabem, mas o processo de maturação nada mais é do que a manutenção da carne a baixas temperaturas por um período de 30 dias que leva a um suave degradação protéica acentuando a maciez devido ao rompimento das fibras. Temperamos com molho Chimi-churri que é um mistura de ervas, alho, cebola, pimenta com azeite e outros coisinhas (usamos o molho pronto Epicuro de muito boa qualidade). Uma característica especial desse dia foi que um dos assessores para assuntos gastronômicos desse blog, Mauro Rebelo, ficou responsável pelas picanhas e acabou deixando-as congeladas. Como o grupo estava faminto resolvemos seguir em frente. Com isso, após aquecer a churrasqueira em brasa alta fizemos cortes grossos de 3 dedos de espessura e colocamos no fogo. A picanha não foi salgada, pois um amigo argentino me disse que lá eles salgam a carne depois de assada com sal fino. De certa forma faz sentido, pois mantém a carne hidratada que se traduz em suculência para os carnívoros sedentos. Desta forma, a carne atravessa um lento processo de desnaturação térmica das proteínas, que quando bem feita significa maciez (lembre-se que a carne que usamos era maturada, ou seja, a carne fica muito, muito macia). O resultado final foi interessante porque a carne sem sal ainda congelada levada a churrasqueira selou rapidamente e descongelou e cozinhou simultaneamente. Ao final de 40 minutos de preparação tínhamos uma picanha mal passada, e suculenta. Depois de levemente salgada, a carne cortada bem fininha e temperada com o Chimi-churri, se desfazia com facilidade na boca. Uma delícia...

Resolvemos ainda assar um pernil de cordeiro. A carne de cordeiro não pode ser considerada uma especialidade argentina. Encontramos pratos típicos em todo o sul da Europa bem como nos países árabes. Portanto embora as origens sejam diversas, a influência nos países sul-americanos é inegável e especialmente na Argentina se consome cordeiro com propriedade. Com 24h de antecedência o pernil (1,5kg) foi limpo para tirar o excesso de membranas e depois lavado antes de temperar. O pernil foi “marinado” em uma solução de vinha d´alho (louro, alho, vinho tinto de boa qualidade, pimenta do reino e sal). Utilizei ½ garrafa de vinho, 5-6 folhas de louro, 3 cabeças de alho grande (picado) e sal e pimenta a gosto (eu gosto de caprichar na pimenta). Adicionei também uma ervinhas tipo: manjericão fresco (20-30 folhinhas), e alecrim fresco (se possível) também umas 20-30 folhinhas. Fazer pequenas incisões ao longo do pernil e esfregar a solução vigorosamente por 5 minutos nos dois lados do pernil. Durante a etapa de “marinagem”, o pernil foi regado a cada 2-3h e foi virado na metade do tempo. Daí, cobri com papel alumínio e levei à churrasqueira por algo em torno de 40min a 1h (o tempo pode variar de acordo com o intensidade do fogo). Há amantes de carnes de cordeiro mal-passadas ou ao ponto. Nunca deixe o pernil tostar. É um crime! O excesso de molho foi colhido em uma xícara e foi usado para regar o pernil a cada 10 minutos durante o cozimento (esse pernil também pode ser feito em forno e o tempo de cozimento deve ser ajustado). Retire o papel alumínio na meia hora final para criar uma textura levemente crocante por fora. Fatie bem fino, regue com o molho e sirva-se a vontade!

Para acompanhar, escolhemos vários vinhos Argentinos. Preferimos ficar inicialmente nos Malbec que é uma uva extremamente bem adaptada à Argentina e que gera um vinho normalmente leve que acompanha bem carnes grelhadas, e também massas. Estava justamente dentro dos nossos planos: picanha, pernil de Cordeiro, e Malbec... No mercado nacional uma das melhores relações custo-benefício é o Finca La linda da Luigi Bosca (em torno de R$30,00). Bebemos um malbec 2005 que realmente comprovou que vinhos de boa qualidade não precisam apresentar preços extorsivos. Muito gostoso, uma combinação excelente com as carnes. Um vinho com altos níveis de álcool (14oGL), mas que não alteram o sabor que é bem suave e aveludado. Essa é a dica. Não perca a oportunidade de combinar uma carne grelhada com um Malbec!