domingo, 28 de setembro de 2008

O faisão a alabastro e a genialidade na cozinha

Na década de 90, Isaias Pessotti escreveu “Aqueles cães malditos de Arquelau” (editora 34) que é uma romance delicioso de ser lido, pois o autor é capaz de desvelar toda sua erudição em textos cativantes que apresentam uma investigação histórica com pitadas de humor em um Itália dos anos 60, onde homens cultos e engraçados se envolvem com mulheres lindas e inteligentes, ou seja, o mundo perfeito! Entretanto, a maior qualidade de Isaías é a capacidade de descrever as paisagens onde esses encontros acontecem e, acima de tudo, as grandes refeições, onde as pessoas se deliciam de pratos e idéias absolutamente fenomenais. Em “Aqueles cães”, um jovem grupo de pesquisadores entre historiadores, filósofos, psicólogos, e escritores do Instituto Galilei está desvendando um mistério sobre o conteúdo de um livro escrito na Itália de 1500. Entre as discussões que vão ajudando os protagonistas a elucidar o enigma, historietas comuns de amor e desejo interpelam nossos heróis. Logo no início, um belo trecho apresenta uma “teoria sobre a genialidade”, que utiliza como modelo, a culinária, mais especificamente a cozinha do Menarost uma tratoria no caminho para Sant´Ilario. O dono do restaurante, Giulio, descreve como a Chef, sua esposa Lisa, é capaz de cozinhar com brilhantismo: “Lorenzo (que é um dos estudiosos do Galilei) definiu as coisas: então temos ingredientes e temperos. Os temperos são produtos dos ingredientes e um mesmo produto pode resultar de diferentes misturas de ingredientes.
- Bravo Professore (respondeu Giulio). Lisa é capaz de produzir os sabor que ela quiser com as mais diversas combinações de ervas, licores, vinhos e especiarias. Foi assim que ela produziu sua receita original (...). Lisa descobriu que uma mistura de vinho branco forte e seco , não muito maduro, combinado com alecrim, tem o aroma dos grandes destilados alpinos, e o sabor dos conhaques mais secos: isso significa uma série de vantagens. Exclui-se o conhaque, e com ele, o sabor licoroso ou adocicado e a cor mais escura da carne e do molho. O faisão ganha uma leve cor dourada, puxando mais ao ouro do que ao cobre. Mais ainda ela descobriu que o faisão fica mais macio e úmido, se antes de ir ao fogo, passar uma noite nessa mistura de vinho branco, tipo Malvasia e alecrim. Mas há uma detalhe sobre o alecrim: tem que ser colocado principalmente sobre a pele do faisão. Após algumas horas de repouso, o faisão desprende um perfume delicado e alcoólico, como se os aromas do vinho e do alecrim se fundissem num perfume novo (...).
- Desculpe Giulio(disse Lorenzo), eu entendo que Lisa criou uma receita nova e deliciosa. Mas qual é a diferença entre novidade e genialidade de uma receita?
Giulio esperava a pergunta. Respondeu categórico e quase complacente ante a nossa incompetência:
-Uma receita é genial quando tem três qualidades. Ela deve ser original, uma solução superior para obter um certo prato, e deve produzir novas receitas ou aplicações a outros pratos. A de Lisa é genial por tudo isso: é completamente nova, resolve melhor os problemas do preparo do faisão, como sabor umidade, cor, aroma e, em terceiro lugar, já ficou um estilo uma marca dos pratos de Lisa. Ela já melhorou ou criou, depois disso, várias receitas para frango, pombo, peru, e até certos pratos de vitela” (Aqueles cães malditos de Arquelau, Isaías Pessotti págs 39-40).
Ainda não consegui reproduzir a receita de Lisa, mas concordo com Giulio que uma receita é genial quando apresenta três características simples: originalidade, superioridade (no sentido de ajudar a explicar e resolver problemas), e aplicabilidade em outras receitas.
Se pensássemos em genialidade em outros exemplos de arte como a pintura, muitos movimentos, como o impressionismo, foram geniais porque modificaram uma estética a base de uma técnica muito apurada, em conjunto com características subjetivas e libertárias como a abstração. Assim os grandes mestres do impressionismo como Edouard Manet e Claude Monet alteram uma visão dominante de mundo nas artes no final do século XIX. A obra “impressões-sol nascente” de Monet nomeou o movimento e norteou uma grande quantidade de produções artísticas porque apresentaram ao mundo uma “receita” original, superior, e aplicável (técnica e artisticamente). A partir daquele momento inúmeros artistas passaram a aplicar o novo e original conceito ao conceber suas obras. Portanto, a genialidade na cozinha, na arte ou na ciência é um ato de profundo conhecimento que pode ser considerada explosiva porque normalmente ultrapassa barreiras, funde idéias, articula noções que estão espalhadas e altera bruscamente visões de mundo criando alternativas. Isso em gastronomia significa fundir ingredientes para criar temperos diferentes que são largamente utilizado, ou mesmo novas estratégias de assar ou cozinhar ou pernil de cordeiro. Mais recentemente, Chefs de cozinha recorrem ao conhecimento científico para ajudá-los nas explicações para que isso possa servir de base para a criatividade integral.

9 comentários:

Claudinha disse...

Adorei!!! Acho que conseguir juntar essas três qualidades (originalidade, superioridade e aplicabilidade) deve ser difícil, mas não impossível!! E elas deveriam fazer parte do amor, sexo, das pesquisas científicas....Fiquei pensando sobre o faisão macho! Ele é tão bonitinho!!! Acho que deve-se comer só as fêmeas!!Coitadinhas!!
Beijos no coração

Victor Brasil disse...

Em primeiro lugar descobri que preparar um bom faisão é muito complicado. Haja saco e por isso descubro que, a cada dia, só devo entrar na cozinha para comer (nos 2 sentidos pois também é um ambiente criativo para ...).
Em segundo lugar, a analogia com a ciência é sempre válida. Procurar responder uma hipótese científica requer uma série de experimentos que abranjam originalidade/criatividade, gerar conhecimentos que possam ser aplicados (e acredito que todo conhecimento possa ser aplicado um dia) e, acima de tudo, incentivar a busca por novas respostas para novos problemas.

Unknown disse...

Após a leitura fiquei em dúvida no que é mais difícil. Se é fazer ciência ou cozinhar um faisão !?
Definitivamente concordo com a descrição de genialidade. Uma pessoa pode ser considerada um gênio quando consegue responder ou ainda gerar uma outra hipótese científica ao mesclar originalidade, aplicabilidade e auxílio na resolução de novos problemas.

Unknown disse...

A teoria sobre a genialidade descrita no livro´, ao meu ver, é perfeita. É bem adequado utilizar a culinária para exemplificar. Conheçi uma pessoa que é leiga na cozinha mas é bastante interessada em experimentar pratos bem preparados, diferentes aromas e texturas. Tive então a oportunidade de experimentar e aprender a perceber diferenças num prato bem preparado, com o rigor da técnica e a criatividade. Até aprendi uma sobremesa comum mas nunca vi alguém utilizar os mesmos ingredientes. Uma simples mousse de chocolate que leva somente claras em neve, creme de leite fresco, chocolate meio-amargo e açúcar. A receita para dar certo, tem de uma série de "detalhes" que na verdade são técnicas que precisam ser seguidas para dar certo. O resultado é uma sobremesa leve, saborosa e com uma textura que nunca vi! Arte!

gustavo disse...

Muito interessante este exemplo da capacidade de reunir originalidade, novas aplicação de uma determinada prática e a produção de melhores técnicas, que são aspectos fundamentais para o desenvolvimento científico ou de um prato que deve ser muito gostoso.
A capacidade de relacionar fatores aparentemente distintos, os quais eram investigados e aplicados em linhas de pensamento distantes, como os aromas do vinho e do alecrim ou o efeito antioxidante do treinamento físico e a hiperatividade simpática da insuficiência cardíaca (já que estamos falando de comida, tinha que puxar a brasa para minha sardinha...), possibilita o enriquecimento seja da culinária ou do conhecimento científico.

Unknown disse...

Sensacional esta analogia entre a culinária e a ciência, as quais sempre considerei verdadeiras obras de arte!! Ser original, superior e aplicável...acho que estes ingredientes deveriam nortear sempre nossas ações e hipóteses científicas, assim como na gastronomia...bem, para os amadores na cozinha nem sempre funcionam: nos pratos que preparo em casa nem sempre consigo ser mto original (sempre rola o básico feijão com arroz)...sem contar que muita gente não gosta de revelar aquela tão cobiçada receita, não permitindo sua aplicabilidade...
Nunca comí esse tal de faisão, mas pela descrição do prato deve ser uma delícia!!Depois de ver a receita desta Cheff, fiquei tentada em utilizar estes ingredientes no preparo de um frango assado que costumo fazer aos domingos...

Francisco Alves disse...

Sinceramente tenho dificuldades em definir genialidade, e concordo em parte com a definição apresentada, principalmente no que diz respeito a originalidade e superioridade, porém aplicabilidade ?!?!?!...afinal dizem que Pelé era um gênio do futebol, concordo, pois inclusive era detentor de muita originalidade e superioridade, porém não me pareceu ser tão aplicável a outros...
Também acredito que a genialidade de Lisa se fundamentou em princípios básicos que norteiam a ciência (daí a ligação!!!), que compreende dentre outras coisas a curiosidade, experimentção e sem dúvidas a perseverança...
Viajando um pouco mais creio que o indivíduo seja 50% genética e 50% meio (não em uma proporção exata assim)...automaticamente me questiono, o gênio nasce gênio ou pode se transformar em gênio ao seguir alguns padrões ????!!!!
Bom acho que viajei "um pouco", mas sinceramento ao ler o texto e até alguns comentários, achei que viajar estaria dentro do contexto!

Daniela disse...

Lendo o texto sobre a receita do faisão e a genialidade, percebo o quanto a afirmação feita por Hervé This, se torna equivocada:
“A ciência tem o objetivo de descobrir um fenômeno pelo método experimental. Isso é ciência, e isso não está envolvido no preparo de um prato” Pois como descrito no texto sobre o faisão, são necessários uma série de “experimentos” para misturar diferentes ingredientes gerando maravilhosos temperos e outras séries de alterações que determinam textura e sabor inigualáveis, o que com certeza foi facilitado pela introdução da gastronomia molecular de Hervé This. Concordo quando você diz no texto sobre gastronomia molecular que: “A gastronomia hoje é talvez um dos mais relevantes exemplos do emaranhado de conhecimento entre técnica, ciência e arte” E acredito que quanto mais emaranhados estiverem esses conhecimentos mais geniais serão os resultados, independente da área que estejam sendo aplicados.

Baxcajay disse...

hola saludos que buen blog !!