sábado, 8 de março de 2008

Memórias gastronômicas de viagens: Argentina, Buenos Aires


A neurobiologia hoje estuda incessantemente as bases biológicas da memória. Não há a menor chance de discutir esse ponto aqui bioquimicamente, mas é impressionante a capacidade que eu tenho de lembrar de grandes encontros, especialmente jantares. Os detalhes normalmente me surpreendem porque eu lembro da entrada, do vinho, do atendimento do garçom e das gargalhadas compartilhadas com histórias que normalmente começam com vinhos, comidas, e terminam festivamente em trabalho (a discussão prazerosa do ofício nosso de cada dia).
A Argentina, mais especificamente Buenos Aires é um desses lugares, que evoca boas memórias onde eu poderia resumir que comer bem é muito simples! Os pratos são assim: Bife de chorizo, bife de lomo, assado de tiras... Para nossa cultura esse tipo de apresentação mereceria um acompanhamento: salada, arroz, “papas” fritas. Entretanto, não é necessário.
Estive no Palácio Espanhol na 9 de Julio próximo a avenida de Mayo. O salão é lindo e espaço fartamente decorado com muito mármore, até o banheiro é sofisticado e espaçoso... Mas na verdade nós fomos lá para comer!
Quando pedi um bife de chorizo achei que valeria a pena um panaché de “verduras”.Quando chegou o bife percebi, em pânico, o tamanho do desafio de 300g do mais macio corte de carne bovina que já experimentei... O panache de verduras ficou de lado. Concentrei-me na tarefa de dissolver (literalmente) pedaço por pedaço o bife em minha boca. Estava acompanhado de boas amigas de papo, copo e garfo. Marília e Dora me ajudaram a me debruçar sobre dois vinhos sensacionais. Pedimos inicialmente, um Lagarde Shiraz 2004. Maravilhoso. Frutado sem ser enjoativo, com corpo equilibrado e profundo. O Bouquet de frutas vermelhas e notas de amoras foi marcante. O sabor duradouro era uma das suas melhores características. Foi uma dessas alegrias efêmeras porque não durou nem 40 minutos de conversa e bife de chorizo. Resultado: tivemos que pedir mais um vinho. Para não errar ficamos no Shiraz e acabamos acertando em cheio em um San Felicien da Catena Zapata 2002. Esse era ainda melhor! Simplesmente sensacional. Muito intenso, com frutas pretas, Bouquet exuberante... Foram horas de boas conversa e muito vinho e curiosa (ou felizmente) eu lembro apenas do vinho e do prato principal. Infelizmente não tirei fotos essas noite e peguei emprestado a foto do bife de Chorizo de blog do “The Travelling Hungry Boy” que parece que também adorou os cortes argentinos de carne bovina!

Memórias gastronômicas de viagens: Moçambique
















Em que país há a possibilidade de você comer uma Ameijoa a Bulhões Pato e um Biryani de cabrito? Moçambique!
O destino foi Maputo, capital do país. Maputo é uma cidade de colonização portuguesa, que parece muito como uma mistura de ilha do governador no Rio com uma cidade do interior no nordeste do Brasil. Essa percepção surge de uma observação simples: a cidade está à beira de uma baía com casas nobres em ruas arborizadas, mas ao mesmo tempo, “para dentro” da cidade vemos bairros mais humildes com casas pequenas sem luxo. Ainda, houve-se nas ruas um som dos carros parados nas esquinas que parece lambada e salsa. E adiciona-se a hospitalidade e a gentileza das pessoas de fala mansa e cantada (é o sotaque de português misturado com o Baiano).
Em Maputo conheci com um amigo Brasileiro, Savino, e alguns companheiros Moçambicanos como o Ilesh, alguns restaurantes que eram freqüentados realmente por moçambicanos.
Logo descubro em conversa com o Ilesh que a cidade teve, na década de 30, um período de forte imigração de Indianos. A influência na gastronomia é óbvia. Tanto que quando chegamos para jantar no “O coqueirão”, percebi rapidamente no cardápio nomes como chamoosa, curry e leite de coco. Não tinha mais dúvida que a influência Indiana foi definitiva. O restaurante me lembrou muito aquela mistura de boteco-bar-restaurante-pé-sujo do Rio. Uma combinação com mesas de plástico, serviço eficiente e rápido, e a comida de altíssimo nível. Um clássico da baixa gastronomia carioca, quer dizer, Moçambicana. Estávamos em quatro e pedimos moelas estufadas de entrada com cervejas locais como a Laurentina, e 2/M. As moelas não eram muito diferentes daquelas que comemos no Brasil. As cervejas eram muito boas, embora estivessem um pouco quentes. Depois, nos pratos principais pedimos para dividir: cabril (um cozido) de vaca com batatas; galinha com curry e galinha zambesiana (uma província ao norte de Moçambique) e o Xipoti de cabrito. A galinha é levemente adocicada. Uma receita leve e muito saborosa. Entretanto os campeões da noite foram os pratos de cabrito. A carne de cabrito é também adocicada e estava muito macia. Uma delícia!!

O país é muito jovem, apenas em 1975 que ocorreu a independência. Mesmo assim o processo de colonização portuguesa misturado a localização no sudeste da África rendeu uma cultura bem misturada que tem na gastronomia exemplo típico. É exatamente o que disse no inicio desse texto. A presença de Africanos, Indianos, Árabes e Portugueses criou a base da população Moçambicana que, como no Brasil cresceu em um processo de mistureba geral. É fácil conhecer pessoas que tem nomes portugueses, mas com ascendência africana bastante óbvia. Curiosamente, na conversa percebemos que há miscigenação, pois os avós maternos eram portugueses e os paternos Indianos. Na culinária, além da comida Indiana que foi o nosso primeiro destino a Portuguesa tem muito destaque.

Por exemplo, no restaurante “O escorpião” encaramos um Bacalhau a ti laurentina, que é uma posta grossa de peixe bem cozido ao molho de tomates, cebola e pimentão, servido com batatas portuguesas. Talvez uma das características marcantes da cozinha portuguesa em Moçambique seja a leveza. Mesmo um prato português clássico consegue ser leve. Aqui no Brasil isso não é necessariamente verdade. As tiras de bacalhau esfacelavam-se com o toque do garfo. Tivemos ainda a feliz escolha de pedir vinho branco Monte velho 2006 da casa Herdade do esporão no Alentejo. Normalmente, tenho restrições a vinhos brancos, mas a esse eu me rendi. Perfumado na medida certa e com um sabor leve. Fechamos a noite com o colchão de noiva que uma sobremesa muito interessante. É um simples pudim de natas com uma farofa de biscoitos maisena. Entretanto demos um turbinada sugerida pelo amigo, Savino, que pediu um dose de maciera para regar o pudim.

No restaurante Maputo Waterfront comemos duas vezes. A primeira pedimos um filet de cabrito com acompanhamento de verduras, batatas coradas e legumes cozidos. Mais uma vez muito leve. Para beber, escolhemos o sul-africano Zonnebloem shiraz 2005. O restaurante está localizado a beira da baía em um sítio (como se diz lá em Moçambique) muito nobre com uma vista encantadora da boca da baía de Maputo. Uma curiosidade: alguns restaurantes que parecem clubes, pois têm mesas e cadeiras a beira de piscinas para que as pessoas possam ir almoçar e pegar uma solzinho, enquanto as crianças se divertem na água.



Voltando para a comida, o melhor de tudo foi a entradinha. Pedimos uma lingüiça de chouriço de porco que veio acompanhada de queijo feta, azeitonas pretas e uma pastinha branca de sabor levemente adocicado que era um espetáculo. Como não reconheci prontamente o sabor, perguntei ao garçom que me disse que era um, pasmem, molho de alho! Basta cozinhar o alho, amassá-lo bem e misturá-lo com azeite. Uma delícia e facílimo de fazer! Realmente uma entrada imperdível.
Na segunda visita ao mesmo restaurante comi uma caldeirada de cabrito com xima, que é um angu de fubá durinho e sem sal. Mistura-se com o molho da caldeirada e piri-piri que é a pimenta local. Fica muito, muito gostoso. Realmente tenho um apreço especial por cabrito. A caldeirada estava divina, mas o campeão desta noite foi o Sul-Africano Fleur du Cap Merlot 2005. A indicação do Ilesh foi simplesmente o melhor vinho que eu bebi nesta viagem.

Em Maputo, só bebemos sul-africanos e portugueses. Foi uma redescoberta importante dos portugueses como o Reguengos e o Dão meia Encosta e o Dão Foral Dom Henrique (Touriga Nacional-Jaen), ambos encontrados em lojas aqui no Rio e a descoberta dos Sul-Africanos. O outro que merece destaque é o Guardian Peak Frontier (Cabernet Sauvignon-Shiraz- Merlot) também fácil de ver em lojas cariocas. Ficam as dicas de vinhos e de molhos. Certamente, estarei me arriscando em algumas receitas brevemente. As bem-sucedidas estarei compartilhando logo! As fotos sào uma cortesia do Savino, fotógrafo amador, e bom companheiro de mesa de bar!