sábado, 29 de setembro de 2007

mordidas sonoras

Li recentemente o delicioso livro de Alex Kapranos, vocalista do Franz Ferdinand. Alex é um desses ingleses que fez de tudo um pouco na vida. Trabalhou em restaurantes em todos os níveis. Foi entregador de comida, bartender e chef de cozinha. De repente perto dos 30 anos resolveu abdicar de tudo para se dedicar a mais uma de suas atividades: a música. Alex juntamente com um companheiro de cozinha e outros amigos criou o Franz Ferdinand em 2001. Devido a toda experiência adquirida nas cozinhas do Reino Unido o The guardian ofereceu-lhe uma coluna para falar das histórias da culinária por onde o Franz passava em sua turnê mundial. Mordidas sonoras é a coletânea desses textos. Rio, Buenos Aires, Londres, Paris, Seattle, Los Angeles, Nova Iorque, Sydney e outras tantas cidades. Com um texto bem humorado e jornalístico Alex foi capaz de absorver a atmosfera de todos esses lugares. Claro que no Rio ele fala de uma churrascaria, e em Osaka fala de sushis de baicu. Entretanto, Alex foge do lugar comum e captura cada cidade através dos restaurantes: a localização, o cardápio e seus personagens (garçons, chefs e clientes). Textos maravilhosos que dão água na boca como o que ele fala do dia que visitou Sergi Arola do La Broche em Madri. Sergi é um desses chefs que estão abalando os pilares gastronômicos por modificarem os tabus, leia-se: texturas, essências, espumas.
Já falei deles aqui quando comentei que fazer pesquisas científicas ou cozinhar não é diferente.
A grande virtude de Alex Kapranos é que o texto desperta em nós uma série de lembranças e experiências parecidas com as que ele teve em diferentes lugares do mundo. Por isso, o livrinho (tem apenas 150 páginas) foi lido lenta e deliciosamente, da mesma maneira que cozinhamos uma costela no bafo. Após cada capítulo, cada cidade, precisei de alguns minutos para lembrar das minhas próprias experiências. Foi o que aconteceu quando Alex falou da passagem por Seattle onde um amigo da banda, Paul Thomson, resolveu experimentar ostras. A conclusão é que, na percepção de Paul, esses pequenos bivalves marinhos tem consistência de lula, mas granulosa. Tive a mesma impressão quando provei ostras pela primeira vez. Eu gostei, Paul, não, e, quando Alex perguntou a ele se provaria as ostras de novo Paul respondeu: “Cheguei uma idade em que, se existir algo que não provei, provavelmente tem uma boa razão para isso”.

domingo, 23 de setembro de 2007

Estratagema






Há alguns anos, li uma crônica do Luís Fernando Veríssimo que se chama estratagema. Ele dizia que ao longo dos anos havia desenvolvido uma estratégia para viver mais tempo. Basicamente, ele comprava mais livros do que ele era capaz de ler durante a curta e atribulada existência dele e, esperava que o acúmulo de livros pudesse garantir-lhe algum tempo extra até que conseguisse terminá-los. Eu compartilho integralmente a opinião do mestre Luis Fernando. A diferença é que eu faço isso com livros e VINHOS! Argentinos, Chilenos, Italianos, Franceses, portugueses, Espanhóis... Não importa. A beleza de guardar vinhos com a esperança de aumentar a expectativa de vida se resume a deliciosa sensação de esperar por grandes encontros. Uma boa compra gera grandes expectativas para o dia especial de consumir a mais nova aquisição. Vinhos são marcantes. Como os livros, os vinhos trazem consigo características que geram memória. Marcam uma data, um bom jantar, ou apenas revelam um grande descoberta, o próprio vinho. Alguns dias que seriam comuns se tornam magníficas lembranças por causa de uma revelação. Tem gente que faz planilha excel, que guarda os rótulos, as rolhas ou, ainda, escreve suas experiências em diários. Todo o processo é memorável. A busca pelos vinhos é, por si só, um deleite. A tranqüila caminhada por entre as estantes observando calmamente as garrafas expostas, convidativas, diria até oferecidas, é uma espécie de garimpo onde tesouros se escondem. Tenho a clara a sensação de que os garrafas se mexem e falam com você. Algumas delas acabam colando na sua mão. Fito o rótulo, e, em um breve flerte, estudo as propriedades descritas e verifico o preço. O encontro é rápido e intuitivo. Como se estivesse lendo uma orelha de livro e já soubesse o conteúdo. Curto o espaço como o de uma livraria. Ouço, ainda, as dicas dos sommeliers residentes e, finalmente, seleciono algumas garrafas. Volto feliz para casa. Sensação de dever cumprido. Afinal, aumentei o estoque, promessa de vida longa. Pelo menos enquanto mantiver o estratagema!

terça-feira, 4 de setembro de 2007

I Risotti

Existem alguns grandes engodos na baixa gastronomia brasileira. Um deles é o risoto. Todos nós fomos enganados (e continuamos sendo) quanto ao que é, de verdade, o risoto. Alguns dos bares e botequins autênticos da baixa gastronomia carioca que têm exemplares como o Tia Salete e o Siri, ambos na Tijuca, servem indiscriminadamente arroz de camarão chamando de risoto de camarão. Uma lástima. Não que seja ruim. Muito pelo contrário. São pratos saborosíssimos! Infelizmente não é risoto.

O risotto é um prato feito com arroz italiano (principalmente o carnaroli) que precisa de um cozimento em fogo alto e muito jeito e energia para girar sem parar uma colher de pau mexendo o arroz por uns 20 minutos. O preparo é simples, mas requer uma pouco de experiência para conseguir acertar o tempo de cozimento com a consistência do arroz e o molho em excesso que dá um sabor e uma textura especiais. É isso mesmo não se assustem! O bom risoto não fica sequinho. Não disse que tinham te enganado? O arroz desprende amido durante o processo de feitura com o movimento freqüente da colher de pau. Com isso, o risoto vai ganhando um aspecto de arroz empapado que nesse caso funciona.
O Risoto, como diz o grande Chef Luciano Baseggio em seu livro “Il riso in tasca” é um prato completo e muito versátil. O risoto pode ser servido até como entrada, mas normalmente me agrada a idéia de fazê-lo como prato principal acompanhado ou não de uma carne. Há risoto de frutos do mar, carnes, funghi, pato, ou apenas alla parmigiana. O “alla parmigiana” não é exclusivo do risoto que leva o seu nome todos eles carregam grandes quantidades de queijo parmesão e manteiga. Esqueçam as calorias e não desanimem!
Outro dia cozinhei um simples risoto al Funghi porcini (receita adaptada do livro que citei acima) como primi piatti para celebrar o aniversário do amigo Mauro. Como era uma entradinha servimos pequenas porções para 10 pessoas e deu... Vamos ao que interessa: Dissolva 4 pacotes de caldo de carne em 2 litros de água e deixe ferver. Há aqueles que preferem fazer o seu próprio caldo. Entretanto, depois que eu vi a dica de Miguel de Carvalho, o magnífico, dizendo que os caldos prontos são muito adequados eu substituí e, pasmém não faz muita diferença. Lave 80-100g de funghi porcini secchi e amacie em 200ml de água morna por 30 minutos. Reserve a água. Triture 2 cebolas grandes e refogue em 2 colheres de manteiga. Adicione o arroz (½ kg, carnaroli) e o porcini drenado e refogue por alguns minutos. Adicione 2 taças de vinho branco de boa qualidade. Mantenha o arroz refogando. Comece a mexer. A partir de agora não pode parar mais! Quando começar a secar adicione o caldo (misture a água reservada do porcini com o caldo). Cozinhe por 16-17 minutos mexendo sempre. Não coloque caldo em excesso perto do fim. Adicione mais 2 colheres de manteiga e uma xícara grande cheia de parmesão (ou grana padano, uns 250g) ralado. Misture bem e sirva imediatamente. esse prato acompanha vinhos leves. O Vino Nobile de Montepulciano é sempre uma boa pedida, mas para bolsos menos previlegiados (como o meu) preferimos um banho de Malbecs e Merlots argentinos, e Carmenére Chilenos. Destaque total para o Andeluna Merlot 2004. Depois que os merlots foram achacados no bom filme sideways eu fiquei com pena e comecei a beber mais dele. Até porque os preços caíram um pouco. Especialmente os varietais. Esse Andeluna é uma coisa! Macio e bem equilibrado, sem adstringência exagerada e bouquet rico. Gostoso só de ficar cheirando!

Outro grande pecado feito com o arroz no Brasil é também uma tentativa de risoto: o arroz à piamontese. Uma espécie de risoto pobrezinho... Mas isso é outra história.