Li recentemente o delicioso livro de Alex Kapranos, vocalista do Franz Ferdinand. Alex é um desses ingleses que fez de tudo um pouco na vida. Trabalhou em restaurantes em todos os níveis. Foi entregador de comida, bartender e chef de cozinha. De repente perto dos 30 anos resolveu abdicar de tudo para se dedicar a mais uma de suas atividades: a música. Alex juntamente com um companheiro de cozinha e outros amigos criou o Franz Ferdinand em 2001. Devido a toda experiência adquirida nas cozinhas do Reino Unido o The guardian ofereceu-lhe uma coluna para falar das histórias da culinária por onde o Franz passava em sua turnê mundial. Mordidas sonoras é a coletânea desses textos. Rio, Buenos Aires, Londres, Paris, Seattle, Los Angeles, Nova Iorque, Sydney e outras tantas cidades. Com um texto bem humorado e jornalístico Alex foi capaz de absorver a atmosfera de todos esses lugares. Claro que no Rio ele fala de uma churrascaria, e em Osaka fala de sushis de baicu. Entretanto, Alex foge do lugar comum e captura cada cidade através dos restaurantes: a localização, o cardápio e seus personagens (garçons, chefs e clientes). Textos maravilhosos que dão água na boca como o que ele fala do dia que visitou Sergi Arola do La Broche em Madri. Sergi é um desses chefs que estão abalando os pilares gastronômicos por modificarem os tabus, leia-se: texturas, essências, espumas.Já falei deles aqui quando comentei que fazer pesquisas científicas ou cozinhar não é diferente.
A grande virtude de Alex Kapranos é que o texto desperta em nós uma série de lembranças e experiências parecidas com as que ele teve em diferentes lugares do mundo. Por isso, o livrinho (tem apenas 150 páginas) foi lido lenta e deliciosamente, da mesma maneira que cozinhamos uma costela no bafo. Após cada capítulo, cada cidade, precisei de alguns minutos para lembrar das minhas próprias experiências. Foi o que aconteceu quando Alex falou da passagem por Seattle onde um amigo da banda, Paul Thomson, resolveu experimentar ostras. A conclusão é que, na percepção de Paul, esses pequenos bivalves marinhos tem consistência de lula, mas granulosa. Tive a mesma impressão quando provei ostras pela primeira vez. Eu gostei, Paul, não, e, quando Alex perguntou a ele se provaria as ostras de novo Paul respondeu: “Cheguei uma idade em que, se existir algo que não provei, provavelmente tem uma boa razão para isso”.
Há alguns anos, li uma crônica do Luís Fernando Veríssimo que se chama estratagema. Ele dizia que ao longo dos anos havia desenvolvido uma estratégia para viver mais tempo. Basicamente, ele comprava mais livros do que ele era capaz de ler durante a curta e atribulada existência dele e, esperava que o acúmulo de livros pudesse garantir-lhe algum tempo extra até que conseguisse terminá-los. Eu compartilho integralmente a opinião do mestre Luis Fernando. A diferença é que eu faço isso com livros e VINHOS! Argentinos, Chilenos, Italianos, Franceses, portugueses, Espanhóis... Não importa.
A beleza de guardar vinhos com a esperança de aumentar a expectativa de vida se resume a deliciosa sensação de esperar por grandes encontros. Uma boa compra gera grandes expectativas para o dia especial de consumir a mais nova aquisição. Vinhos são marcantes. Como os livros, os vinhos trazem consigo características que geram memória. Marcam uma data, um bom jantar, ou apenas revelam um grande descoberta, o próprio vinho. Alguns dias que seriam comuns se tornam magníficas lembranças por causa de uma revelação. Tem gente que faz planilha excel, que guarda os rótulos, as rolhas ou, ainda, escreve suas experiências em diários.
Todo o processo é memorável. A busca pelos vinhos é, por si só, um deleite. A tranqüila caminhada por entre as estantes observando calmamente as garrafas expostas, convidativas, diria até oferecidas, é uma espécie de garimpo onde tesouros se escondem. Tenho a clara a sensação de que os garrafas se mexem e falam com você. Algumas delas acabam colando na sua mão. Fito o rótulo, e, em um breve flerte, estudo as propriedades descritas e verifico o preço. O encontro é rápido e intuitivo. Como se estivesse lendo uma orelha de livro e já soubesse o conteúdo. Curto o espaço como o de uma livraria. Ouço, ainda, as dicas dos sommeliers residentes e, finalmente, seleciono algumas garrafas. Volto feliz para casa. Sensação de dever cumprido. Afinal, aumentei o estoque, promessa de vida longa. Pelo menos enquanto mantiver o estratagema! 

