Fui apresentado de maneira enviesada a paella de Dom Raphael há uns 10 anos mais ou menos. Cheguei atrasado e a um jantar de aniversário que já estava no fim. Dom Raphael estava fazendo uma de suas especialidades, a paella com a receita original mantida pela família Peres de origem Espanhola, e cozida em uma “paellera” de mais de 100 anos. Meio constrangido aceitei um pratinho para não parecer deselegante. A partir dali tive a sensação de que todos me observavam, pois era o último a comer e estava provando pela primeira vez o festejado prato espanhol na casa tradicional de descendentes de espanhóis. Provei e gostei. Entretanto não foi uma daquelas sensações de êxtase sensorial como esperava tanto eu quanto todos os outros que me fitavam de esguia. Levantei os olhos e, rapidamente, todos desviaram suas atenções. Elogiei sem muita convicção e percebi que algumas pessoas ficaram muito ofendidas. Foi um péssimo começo na família já que Dom Raphael é meu sogro. Hoje tenho certeza que apreciar a boa gastronomia requer uma boa dose de treinamento e paciência. É parecido com a capacidade de entender uma obra de arte. De que adianta observar um Mondrian sem a capacidade de abstrair e fazer analogias. Sem abstração são apenas linhas e formas geométricas, mas podem ser casas no campo, e tantos outros cenários.
Nesses últimos anos treinei um pouco e fui ganhando experiência (que é a maneira carinhosa que eu chamo a minha barriga) e aprendi a perceber sabores, cheiros, temperos, texturas e muito mais. Percebo a diferença entre um molho de tomate enlatado e um caseiro feito com tomates frescos. Por tudo isso, a minha verdadeira apresentação à Paella foi de segunda. Somente com um tempo que eu comecei a entender e apreciá-la. A segunda vez a gente nunca esquece. A paella do Dom Raphael leva frutos do mar sendo obrigatórios: o camarão, a lula e o polvo. Também tem vagem francesa, molho de tomate, azeite extra-virgem (espanhol é claro) e paio?! Isso mesmo a lingüiça de porco é muito saborosa e eleva o paladar da paella. Uma receita de paella é sempre para muitas pessoas. Isso é mais uma qualidade do prato espanhol. A paella é um prato festivo que pode ser cozido em cima de uma churrasqueira. E, como o churrasco, pode demorar 2-3 horas de preparo (contando o tempo para preparar os caldos). Por isso é perfeito para receber os amigos e brindar a vida com muito vinho é claro.
Para cozinhar para 12-15 pessoas inicie o preparo separando os ingredientes: Azeite espanhol extra virgem (250ml); 2 cebolas picadas; 6 dentes de alho. Fatie bem fininhas as lulas ainda cruas, limpas e sem pele, temperadas com sal e pimenta (1kg). Separe as bolsinhas de tintas das lulas e bata no liquidificador com 250ml de caldo de camarão (ver abaixo). Separe 3 paios em rodelas, previamente fervidos para tirar a pele (ferve o paio inteiro, depois tira a pele e corta em rodelas); 1 pacote e ½ de vagem francesa (fininha). Tirar as pontas; 8 tomates sem caroço batidos no liquidificador; 1 polvo grande (1kg e ½ ) que precisa de ser previamente cozido na panela de pressão com água e sal por 10 min (se for pequeno) ou 15 min (se for grande). Limpar, tirar a pele, o pé e cortar as ventosas. Importantíssimo: Reserve a água do cozimento. Descasque 1kg de camarão pequeno e tempere com sal e pimenta. Ferva as cascas do camarão (sem cabeça, com sal) em separado e reservar a água. Camarões grandes com casca, sem cabeça, para decoração;
4-5 copos de arroz (800-1kg da marca Uncle Ben´s);
O preparo é simples, mas requer agilidade no manuseio das panelas porque pequenos atrasos podem levar a perda do ponto de cada carne, especialmente das lulas e camarões. Vamos lá: Coloque o azeite em uma paellera e deixe esquentar. Acrescente a cebola picada e logo depois o alho até dourar. Adicione as lulas e cozinhe por 3 a 5 minutos; Adicione o paio e cozinhe por mais 3 a 5 minutos. Repita a operação com a vagem francesa (5 minutos) e o tomate batido (5 min). Adicione o polvo e acrescente as águas do polvo e das cascas do camarão (já batidas com as bolsinhas de tinta da lula). Essa água deve ser adicionada fervendo. (IMPORTANTE: proporção da água: 3 copos de água para cada copo de arroz). Deixar ferver por + ou – 6 minutos. Coloque o arroz “em cruz” e deixe cozinhar 3 min e adicione os camarões grandes, com casca. Deixar cozinhar por 15 minutos. Por fim, acrescente os camarões pequenos e deixe cozinhar até quase a água secar (+ ou – 10 min). Esse é o segredo da Paella que deve sair do fogo ainda bem molhadinha. Outra observação importante é mexer sempre antes de colocar o arroz, mas depois de adicionar, evite mexer. Depois de apagar o fogo, cubra a panela com papel laminado e pano de prato. Deixe abafando por até 1hora. Entretanto pode-se servir com 15 minutos.
Curiosamente, no Brasil, a maior parte das pessoas pronuncia Paeja por conta do sotaque castelhano dos nossos amigos ao sul. Isso é menos importante, mas uma questão que é definitiva é a dos vinhos para acompanhar a “paelha” ou “paeja”.
Eu gosto de vinhos tânicos e mais fortes como os Shiraz, Merlot e Cabernet Sauvignon. Os sabores fortes e variados da Paella pedem um vinho com mais corpo. Entretanto, testei vinhos Argentinos de uva Malbec com alguns meses de passagem em barris de carvalho e acabou como uma excelente escolha. Reúnam os amigos e boa Paella para vocês.
segunda-feira, 25 de agosto de 2008
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2 comentários:
Essa paella es de matar, lo diré yo que siempre la como como si fuera el manjar de los dioses. Y ese Luigi Bosca???? pues se me hizo agua la boca!!!!!!!!!!!!! Besos, Karina.
Open source... open science... open recipies!!!! Gostei muito dessa ultima entrada, especialmente da sua história inicial. Conhecendo o apartamento de Dom Raphael, consigo imaginar direitinho como foi esse seu primeiro encontro com o prato que, mais tarde, viria a ser sua marca entre vários círculos de amizade. Parabens... very entertaining!
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